Al-Nassr – significa A Vitória. Talvez Cristiano Ronaldo não pudesse ter escolhido nome mais sugestivo. Afinal ainda persegue vitórias como Peter Pan, o menino que não queria crescer, perseguia a própria sombra. Como muitas das organizações e instituições nos países árabes, o Al-Nassr assentou as bases da sua fundação num conceito familiar.
Foram os irmãos Al-Ja’ba, Ali e Al-Owais, que decidiram avançar para a fundação do clube no dia 24 de outubro de 1955. Pouco tempo depois receberam o apoio de um jovem que ainda não completara os vinte anos: o príncipe Abdul Rahman bin Saud Al Saud. A coisa piava mais fino. Tratava-se de um nome pesado para todos os sauditas. Era filho do rei Saud bin Abdulaziz Al Saud, que ocupou o trono saudita entre 1953 e 1964. De alguma forma pode dizer-se que o Al-Nassr passou a ter sangue real a correr-lhe nas veias e isso aumentou profundamente a sua responsabilidade. Não, os príncipes não gostam de perder. Não gostam mesmo nada de perder. E os príncipes sauditas têm a particularidade de saberem demonstrar um desprezo especial pelos derrotados.
Abdul Rahman bin Saud Al Saud queria ganhar. Queria muito ganhar. Manteve o cargo de presidente até à sua morte – 39 anos a fio. E o Al-Nassr ganhou quase tudo.
O Avôzinho
Ainda hoje o homem que pegou num clube recém-nascido, colocado na II Divisão, e o conduziu ao título de campeão da Arábia Saudita é tratado pelos adeptos carinhosamente por Avôzinho. Claro que não fez milagres nem o Al-Nassr começou a açambarcar títulos de um dia para o outro. Só em 1963 é que, finalmente, tomou o seu lugar entre os maiores clubes do país. Depois, entre 1970 e 1980, ganhou quatro campeonatos sauditas e confirmou-se como força a ter em conta pelos adversários mais poderosos como o Al-Hilal ou o Al-Ahli. Hoje em dia além de liderar a Saudi Pro-League, o campeonato da Arábia Saudita, é igualmente o clube com maior número geral de títulos nacionais conquistados (9) a seguir ao Al-Hilal (18).
Até à chegada de Cristiano Ronaldo, o Al-Nassr ficou na memória dos portugueses pela rápida passagem do treinador Rui Vitória pelo clube – 2019-20 – depois de ter sido, por assim dizer, empurrado para fora do Benfica. Hoje provoca curiosidade natural sobretudo quando se predispõe a pagar ao capitão da seleção portuguesa qualquer coisa como duzentos milhões de euros por ano num contrato que ficou firmado para durar dois anos e meio. Esta capacidade negocial, só possível nos chamados Países do Ouro Negro, apenas surpreende porque os emires do Golfo Pérsico se habituaram mais a comprar clubes inteiros do que propriamente jogadores. A mecânica da contratação de Ronaldo obedece, por isso, a uma política de propaganda lançada em grande escala e que parece ter como alvo a candidatura à organização da fase final do Campeonato do Mundo de 2030. Uma teoria que se provará correta se nos tempos mais próximos continuarem a chegar ao campeonato saudita estrelas de grande brilho universal ainda que em final de carreira.
Gloriosos anos 90
Resta agora saber se Cristiano Ronaldo, para além do entusiasmo quase histérico que está a provocar conseguirá catapultar o Al-Nassr para épocas gloriosas como a que viveu na década de 1990. Nessa altura, além de ter conquistado dois títulos sauditas de afilada, ganhou estatuto internacional ao vencer duas Taça dos Clubes Golfo (1997 e 1998) – uma espécie de Taça dos Campeões do Bahrain, Koweit, Omã, Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (ainda assim com um certo sabor a azedo já que os compatriotas Al-Ettifaq e Al-Ahli são os campeões dos campeões da prova com três triunfos cada um) –, uma Taça das Taças da Ásia (1997-98) – mais uma vez o clube com mais vitórias é outro saudita, o Al-Hilal, com duas –, e a Supertaça da Ásia (1998), algo que lhe deu acesso a participar no primeiro Campeonato Mundial de Clubes. Muitos são os que consideram este como o momento mais marcante da história do Al-Nassr, sobretudo por causa da exposição mundial a que esteve sujeito.
A prova teve lugar no Brasil, em 2000, e o Al-Nassr gozou da oportunidade dir-se-ia única de defrontar o Real Madrid, perdendo com naturalidade por 1-3, tendo chegado ao intervalo montado num surpreendente empate a um golo, graças ao pontapé certeiro de Al-Bishi aos 45 minutos. Depois, face ao Raja de Casablanca uma vitória espetacular por 4-3 numa partida alucinante e, finalmente, a despedida da competição com outra compreensível derrota por 0-2 frente aos brasileiros do Corinthians. Foi com orgulho que os homens comandados pelo treinador Milan Zivadinovic regressaram a casa e tinham motivos para isso. Haviam-se batido contra os campeões dos outros continentes e nada podia macular o trabalho feito. Zivadinovic, apesar de tudo, saiu do clube. E foi substituído por um português: Artur Jorge.
O público tinha uma devoção especial pela tripla de avançados Majed Abdullah, Fahd Al-Herafy e Mohaisn Al-Jam’aan, que era conhecida pelo Trio de Ouro, mas também eles acabaram por escolher continuar as carreiras noutras paragens e a força do Al-Nassr ficou grandemente abalada, passando por épocas difíceis. Agora, com Cristiano Ronaldo, o povo volta a sonhar: até com até agora inacessível Taça dos Campeões da Ásia. Que, cáspite!, o rival Al-Hilal já ganhou quatro vezes.