Por Luís Filipe Pereira, economista e gestor
Em 2020, Portugal era o 5.º país mais envelhecido do mundo, logo após o Japão, a Itália, a Grécia e a Finlândia.
Este envelhecimento do país tem profundas implicações em praticamente todas as áreas da sociedade portuguesa (social, económica, empresarial, cultural etc.) colocando já hoje problemas que se tornarão ainda mais graves no futuro.
Na área social o envelhecimento ameaça a sustentabilidade dos nossos sistemas de proteção social: saúde e segurança social.
Na saúde porque vai aumentar a necessidade de prestar cuidados de saúde a uma população cada vez mais idosa ao mesmo tempo que o número de pessoas com doenças crónicas vai ter, ainda, um maior impacto do que hoje, nos recursos que o país tem de dedicar a esta área.
Recorde-se que já hoje as doenças crónicas são responsáveis, aproximadamente, por 75% dos custos totais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que estes custos têm vindo a subir continuamente.
Nos últimos 7 anos dos governos socialistas as despesas correntes totais do SNS aumentaram de 9,1 milhares de milhões de euros (MM) de 2015 (dados da Pordata) para 13,6 MM no Orçamento de 2022 (+49,4%), valor que será seguramente ultrapassado. Para 2023 o orçamento de custos do SNS será de 14,8 MM (+62,6% do que em 2015).
É indesmentível que esta evolução de custos comporta uma elevada ineficiência do SNS, o que conduz a custos que são muito superiores aqueles que seriam necessários para prestar os mesmos cuidados de saúde à população. Se aceitarmos que esta ineficiência seja da ordem dos 20% a 25% (como é generalizadamente reconhecido numa ótica conservadora) então, por referência ao Orçamento do SNS de 2022, teremos custos de ineficiência entre 2,7 e 3,4 MM.
O grande aumento dos custos com a Saúde, atrás referido, denota, aliás, uma situação paradoxal, que se verifica hoje. Apesar das despesas (e dos recursos financeiros para lhes fazer face) terem aumentado, nos Orçamentos da Saúde em cerca de 50% desde 2015 até 2022, a resposta do SNS às necessidades da população tem vindo a piorar causando:
– Listas de espera mais elevadas para cirurgias;
– tempos de realização que, de forma significativa, não cumprem os prazos garantidos na lei, quer nas cirurgias, quer nas consultas nos Centros de Saúde e também nas consultas hospitalares que chegam a demorar um ou mais anos, em casos que não são exceções, e que têm grande expressão em algumas especialidades, como oftalmologia;
– mau atendimento e fecho repetido de urgências hospitalares;
– existência de 1,4 milhões de portugueses sem médico de família.
Isto é: mais recursos e piores resultados.
Mesmo tendo em conta esta ineficiência da gestão do SNS é impressiva a evolução dos custos que o envelhecimento provoca e que inevitavelmente agravará no futuro.
O envelhecimento ameaça também a sustentabilidade da Segurança Social (SS), porque o nosso sistema, dito de repartição (’pay as you go’ na terminologia inglesa) assenta, no essencial, no principio de que a geração atual (população ativa) gera a riqueza para suportar os benefícios adquiridos pelas gerações anteriores (pensões, fundamentalmente) e também para pagar as transferências sociais (subsídios da SS), esperando que as gerações vindouras assegurem o mesmo comportamento de solidariedade intergeracional.
O problema é que o envelhecimento põe em causa o alicerce em que assenta a viabilidade da SS pois será cada vez maior o número de pessoas idosas recebendo pensões (devido ao aumento da esperança média de vida), e progressivamente menor o número da população ativa (impondo rácios entre ativos e não ativos que se tornarão difíceis de sustentar) dado que as gerações vindouras serão em menor número devido à taxa de natalidade do país, das mais baixas a nível mundial.
Esta situação é ainda agravada com a entrada mais tardia no mundo do trabalho, do que anteriormente, das novas gerações (e portanto com menos receitas para a SS) e com a prática, nomeadamente, nas grandes empresas, das pré-reformas.
Este é um problema sério, estrutural, da SS e, na falta de uma estratégia coerente, determinada, visando o futuro, só poderá ser atenuado (remendado) no curto prazo por três ações todas elas penalizadoras da população: diminuição acentuada da taxa de substituição, ou seja, o valor da 1ª pensão é muito menor do que o último salário; aumento de impostos para financiar a SS; e aumento da idade de reforma para além do que hoje já está previsto na legislação em vigor que estabelece uma ligação entre a sustentabilidade da SS e a esperança média de vida.
Por outro lado, o crescimento e desenvolvimento económico, decisivos para dar melhores condições de vida à população (melhores salários, pensões mais altas, menores níveis de pobreza etc.) exigem uma população ativa em número adequado o que é comprometido pelo envelhecimento.
É evidente que o crescimento e desenvolvimento económico dependem também de outros fatores. Para além, em especial, da ação dos governos, outros fatores são igualmente decisivos como, entre outros, a produtividade e competitividade da economia, o seu grau de inovação, o investimento produtivo, a formação e o dinamismo da classe empresarial, mas mesmo estes fatores sofrem a influência do envelhecimento,
A situação descrita torna evidente a necessidade de uma estratégia, coerente, determinada, de combate ao envelhecimento do país e que este problema seja considerado uma prioridade das politicas públicas, o que não tem acontecido até agora.
Esta estratégia passa, normalmente, pela adoção de politicas de aumento da natalidade combinadas com politicas de emigração (diminuição da saída de pessoas para o exterior) e de imigração (atração de novos residentes).
As politicas de natalidade têm, no entanto, o problema de só produzirem resultados a médio/longo prazo (mesmo que hoje fossem tomadas medidas eficazes os seus efeitos só seriam sentidos no espaço temporal de uma geração) e os resultados das politicas de emigração/imigração são em larga medida dependentes do crescimento e desenvolvimento económico, que o próprio envelhecimento contraria.
Para combater os efeitos do envelhecimento nos diversos domínios mencionados (proteção social -Saúde e SS – economia, área empresarial etc.) existe um recurso imediatamente disponível que pode produzir resultados imediatos, a curto prazo: a valorização das pessoas idosas.
Esta valorização passa pelo aumento da participação/continuação das pessoas idosas no mundo do trabalho, através de politicas de envelhecimento ativo que se possam traduzir no aumento das taxas de emprego nas faixas etárias mais elevadas, desejavelmente nos escalões entre os 55 e 70 anos.
Esta valorização através do envelhecimento ativo terá por efeitos: maiores receitas para a SS; menores custos com pensões; menor pressão sobre o SNS, quer em termos de prestação de cuidados, quer em custos, pois uma vida ativa contribui para um envelhecimento mais saudável; e manutenção de uma população ativa beneficiando da qualificação de profissionais experientes que podem continuar a contribuir para o crescimento e desenvolvimento económico.
Este envelhecimento ativo deve corresponder a uma decisão voluntária das pessoas idosas que desejem prolongar a sua vida profissional, o que será mais provável em trabalhadores qualificados e nos quadros e menos nas profissões mais indiferenciadas que exigem um trabalho braçal e/ou repetitivo.
Para tal ser possível são necessárias alterações legislativas e na organização, funcionamento e atitude das empresas em relação às pessoas idosas.
Em particular na área legislativa, serão necessárias medidas de flexibilização da idade de reforma, de adoção de modalidades de reforma parcial, e de incentivos legais para as pessoas trabalharem mais tempo e para os empregadores contratarem e manterem os seus trabalhadores mais idosos.
No mundo empresarial haveria que generalizar o trabalho a tempo parcial, o trabalho por projeto, e horários flexíveis (tendo sempre presente a preocupação da formação continuada das pessoas idosas, em especial nas ferramentas digitais) e, ao mesmo tempo, uma mudança que conduza à diminuição das pré-reformas.
Por último, mas não menos importante, há um aspeto decisivo a alcançar em termos culturais: o combate ao ‘idadismo’ ou seja à discriminação e desvalorização das pessoas idosas na sociedade portuguesa.