Narcos colombianos postos de lado

Mexicanos ficaram-lhes com boa parte dos lucros, a DEA derrubou os seus líderes, a produção começa a deslocar-se para o Peru e agora o Governo pretende legalizar a cocaína. A vida não está fácil para os narcos colombianos, em tempos reis do tráfico.

Quando cartéis em Medellín e Cali disputavam o lucrativo fluxo de cocaína a partir da Colômbia, chegando ao seu auge algures nos anos 80 e 90, ninguém suspeitava que décadas depois seriam os seus pouco conhecidos sócios mexicanos a dominar este mercado. Na altura, clãs de contrabandistas de Sinaloa davam uma mão aos colombianos, levando a sua mercadoria a cruzar a fronteira com os EUA, por vezes até usando as mesmas rotas que os seus antepassados utilizavam para traficar tequilha nos tempos da Proibição. Paulatinamente, criminosos das montanhas de Sinaloa foram deixando de se dedicar tanto ao cultivo de marijuana e papoila do ópio, passando a apostar mais na cocaína (ver páginas 10-13) à medida que as autoridades foram fechando as rotas de avião através das Caraíbas até à Florida. Enquanto os narcotraficantes colombianos eram caçados pela DEA, mexicanos começaram a ser pagos em cocaína, ficando com a fatia de leão dos lucros. Depois tornaram-se eles próprios chefes, deixando um vazio no submundo do crime da Colômbia, onde agora reinam ‘micro cartéis’ e milícias, sem que ninguém tenha mão nelas. Agora, tudo isso pode mudar, com o Presidente colombiano decidido em inaugurar um mercado de cocaína regulado pelo Estado.

«Este é o momento de uma nova convenção internacional que aceita que a guerra às drogas falhou», declarou Gustavo Petro, em novembro. E aqueles que concordam consigo sempre deram como exemplo a perseguição aos cabecilhas do tráfico colombiano, a transferência deste negócio para clãs mexicanos e a incapacidade de enfrentar as organizações criminosas que dominam a Colômbia.

Mesmo o maior cartel colombiano da atualidade, o clã do Golfo, é uma sombra daquilo que eram os cartéis de Medellín e Cali. Nesses tempos tão duros para os colombianos, estimava-se que Pablo Escobar tenha chegado a ganhar uns 420 milhões de dólares por semana, controlando a produção, transporte e distribuição de cocaína nos EUA, atrevendo-se depois em lançar uma guerra aberta contra o Estado colombiano. Os seus sucessores do cartel de Cali, que chegaram a controlar uns 80% do tráfico de cocaína mundial, montando uma espécie de serviços secretos dignos de um Estado totalitário, colocando escutas graças ao controlo de empresas de comunicações e tendo a seu soldo milhares de taxistas, escreveu a Times na altura. Já o clã do Golfo, também alcunhado de ‘Los Urabeños’, não possuía nem tamanho nem organização comparável, não sendo uma estrutura hierarquizada mas sim uma série de células descendentes de milícias paramilitares de direita, as Autodefensas Gaitanistas de Colombia (AGC). Combatiam os esquerdistas da FARC por motivos ideológicos, mas sobretudo pelo controlo do mercado de cocaína colombiana.

Não quer dizer que estes cartéis mais pequenos deixem de ser perigosos. Em maio, quando se deu a extradição para os Estados Unidos do seu chefe, Dairo ‘Otoniel’ Antonio Usuga, a reação dos ‘Urabeños’ foi paralisar dezenas de localidades durante quatro dias, ameaçando matar quem saísse à rua. Pelo menos três civis e três polícias foram mortos por violar as ordens do cartel, avançou a Associated Press. «É o terror total», resumiu um morador de Medellín ao Guardian, tendo outros relatado que as ruas estão desertas, que enfrentam escassez de alimentos e até de água. O episódio, mais do que uma demonstração de poder dos cartéis colombianos, talvez tenha sinalizado «o fim de uma era de traficantes forjados no fogo da guerra civil», descreveu na altura o Insight Crime.

 

‘Invisíveis’ e um Governo que quer droga às claras

Por agora, quem manda são os mexicanos, «os invisíveis», como lhes chamam no país. Para financiar a produção de cocaína «eles não precisam de ser visíveis, não precisam de ter todo um corpo armado atrás deles porque não estão envolvidos nas disputas territoriais pelo negócio do tráfico», explicou Esteban Melo, coordenador do gabinete de combate ao tráfico da ONU na Colômbia, falando à France Press. Aliás, só estão uns 40 mexicanos em prisões colombianas, boa parte por serem emissários do cartel de Sinaloa ou do Cartel Jalisco Nova Geração (ver páginas 10-13).

O que o futuro reserva à Colômbia é outra questão. Petro quer avançar a todo o vapor para alguma forma de descriminalização da cocaína, algo que deixa a Casa Branca furiosa, tendo investido milhares de milhões de dólares numa estratégia de erradicação do cultivo de coca, após ficar claro que caçar os líderes do narcotráfico não funcionava.

A esperança do Presidente colombiano é capitalizar um momento em que a maioria dos países da América Latina são governados por outros esquerdistas para negociar como um bloco com a comunidade internacional, explicou um dos seus conselheiros, Felipe Tascón, em entrevista ao Washington Post. «Os traficantes de droga sabem que o seu negócio depende dele ser proibido», explicou. «Se o regulas como um mercado público os lucros altos desaparecem e o tráfico de droga desaparece».

Entretanto, a Colômbia, apesar de registar um boom na produção de cocaína, vai tendo cada vez mais competição internacional. Outros países como o Peru e a Bolívia vão-se tornando opções mais viáveis para para os narcotraficantes. Enquanto o Equador, apesar de não ter grandes produções de coca, se torna um eixo crucial para o mercado da cocaína, sendo brutalmente disputado entre o cartel de Sinaloa e o Cartel Jalisco Nova Geração.

O Equador disfruta de uma rede de rios que o liga ao sul do Peru, tendo também sido historicamente um abrigo para os rebeldes da FARC, que atravessavam a porosa fronteira com a Colômbia. A violência tem sido alimentada pelo facto de muitas vezes os mexicanos pagarem aos seus aliados locais com armas em vez de dinheiro, avançou a France Press, tendo o Insight Crime avisado que os narcotraficantes de Sinaloa e Jalisco estão a escolher lados. O antigo cartel de ‘El Chapo’ vai comprando droga aos Choneros, o maior gangue do Equador, enquanto os seus rivais trabalham com uma coligação que une Lobos, Tiguerones e Chone Matadores. Por sua vez, os gangues equatorianos compram a droga a cissões rivais da FARC, numa briga que se tem traduzido em sucessivos massacres nas prisões do Equador.