As últimas semanas têm sido um cataclismo. De um momento para o outro aquilo que estava destinado a ser um conjunto de segredos bem guardados explodiu na opinião pública.
Por todo o lado e sem descanso.
Sobrou a imagem de um governo sem rei nem roque, um alfobre de oportunistas, um ver se te avias, um chico-espertismo institucionalizado.
Não deu por nada o primeiro-ministro.
E, todavia, chamou para seu secretário de Estado um cidadão constituído arguido pelo seu comportamento à frente de uma autarquia numa história tão absurda que ninguém consegue justificar.
Não é o único investigado. Outro ex-presidente, apesar dessa condição foi lançado ao mar, como ministro.
Uma administradora pública, saltitante entre empresas, recebe uma indemnização milionária e acaba promovida a secretária de estado.
Outra secretária de Estado dura um dia nas suas funções pelo que se descobre nas suas contas e nas do marido ex-presidente.
Outra secretária de Estado, ainda, atribui um benefício significativo a uma empresa, sai do governo e celebra um contrato de prestação de serviços com essa mesma empresa.
‘Last but not the least’, um presidente derrotado, também com problemas na justiça, recebe abrigo como assessor do primeiro-ministro.
Ninguém sabia?
Mas é admissível que ninguém soubesse?
Tudo terminou em demissões diretas ou por envolvimento.
O primeiro-ministro, que até aqui tinha passado por entre os pingos de chuva, é confrontado com o desastre.
Foi explicado que tudo isto tinha a ver com as suas responsabilidades, com as suas competências.
E aquele debate em que se abespinhou e tentou desviar o assunto para questões laterais terminou mal.
Forçou-o a uma proposta absurda, reduzida ao conceito de mecanismo, na intenção de corresponsabilizar o Presidente da República.
A ideia era encontrar uma saída, distrair a atenção, passar a inventar a autoria da exigência.
Em bom rigor, ninguém a comprou.
O Presidente distanciou-se, a Procuradoria recusou o presente envenenado, o Tribunal Constitucional lembrou que já acumulava as declarações dos políticos.
Ficou, assim, a ministra da Presidência a ocupar-se do tema e tentou, sem êxito, promover a bondade da solução.
As opiniões sobre ela variaram entre um pequeno passo, a insuficiência e o ridículo.
Sobrou um questionário a entregar aos candidatos aos lugares.
Isto é, se um vigarista for nomeado, se um perseguido pela justiça enriquecer as hostes governativas, embora convidado por quem deve escolher a pessoa, a culpa passa a ser dele.
Ou seja, se até agora o primeiro-ministro sabia mas fingia ignorar, agora só ignora se o candidato esconder.
Confiança total, portanto. Não na pessoa mas nas suas declarações.
Tudo para fazer passar a ideia de que o primeiro-ministro foi enganado.
Tudo para esquecer a prática do claro desvalor ético na prática de quem tem nomeado.
Faltava um último toque de ilusionismo.
Perante uma plateia de candidatos e de nomeados, o primeiro-ministro declara com compungida sinceridade que «temos de ser mais exigentes nas escolhas».
Temos. Aquele universo, o partido, o primeiro-ministro ele próprio.
Se Alexandre O’Neill pudesse nomear o questionário miraculoso, o tira-nódoas da família, por certo voltaria a designá-lo como «uma coisa em forma de assim».