Impressiona a sucessão de trapalhadas em que estão envolvidos ou são suspeitos governantes e ex-governantes socialistas de fresca data, enquanto há casos antigos a marinar, ainda com desfecho incerto, tendo à cabeça o inenarrável ‘colunista’ e ex-primeiro-ministro, José Sócrates.
Em menos de um ano, desvaneceu-se o conforto de uma inesperada maioria absoluta, minada por dentro, como se o tempo do Governo se tivesse esgotado, e a realização de eleições antecipadas fosse uma inevitabilidade, faltando apenas saber a data.
A popularidade de António Costa caiu a pique nas últimas sondagens – e a de Marcelo Rebelo de Sousa também não ficou incólume – enquanto se desvendam novos capítulos da mesma novela de ‘perdição’, fragilizando a democracia, como se o regime estivesse caduco, em fim de ciclo.
As histórias são tantas que desafiam e concorrem com o mais arguto e criativo argumentista.
Há de tudo um pouco para compor o enredo. A começar por estranhas amnésias, uma enfermidade que parece ter atacado forte a família socialista.
Pedro Nuno Santos, por exemplo, supostamente em período sabático, apercebeu-se, de súbito, ao «reconstruir a fita do tempo», que, afinal, deu «anuência política» à indemnização milionária de Alexandra Reis para sair da TAP. Quem diria… Mas logo se absolveu, porque, ao demitir-se, retirou «a consequência política devida».
Depois do anúncio frustrado do novo aeroporto de Lisboa, eis um iluminado confesso a ‘bater com a mão no peito’…
Menos dado ao ‘confessionário’, João Gomes Cravinho sofreu também, aparentemente, um ‘apagão’ de memória, ao negar, em sede parlamentar, que fosse do seu conhecimento ou tivesse aprovado a escandalosa derrapagem das obras do Hospital Militar de Belém.
Soube-se, depois, pelo Expresso que, afinal, foi recebido um ofício no gabinete do então ministro da Defesa, no início dos trabalhos, inteirando-o do agravamento da fatura. Mais um papel esquecido, ‘assinado de cruz’, uma bagatela na qual o destinatário nem reparou.
Não é preciso ser ‘bruxo’ para adivinhar que o atual chefe da diplomacia está tremido.
Já Fernando Medina é um azarento. Enquanto autarca, contratou Joaquim Morão, por ajuste direto, para a fiscalização e gestão das obras públicas em Lisboa, quando o escolhido habitava e exercia funções em Castelo Branco, a uma razoável distância. Um pormenor irrelevante.
Sucede que o histórico socialista foi investigado e está agora a contas com a Justiça, constituído arguido por suspeitas de corrupção.
Em causa, por sinal, estão os contratos com o Município de Lisboa, assinados por Medina. E com ‘salpicos’ a sobrarem para Duarte Cordeiro, que foi vice-presidente no seu mandato, hoje ministro, que reclama ser ouvido pelo Ministério Público. O ambiente está turvo.
Medina já amargou com Sérgio Figueiredo e Alexandra Reis. Só lhe faltava esta história antiga, que o pôs visivelmente nervoso. E a polémica ainda ‘não saiu do adro’…
Diz a voz popular, que «uma desgraça nunca vem só». E como se a confusão não fosse bastante, reapareceu José Sócrates para atacar a Justiça, e eleger o seu a antigo correligionário, António Costa, como alvo dos seus ‘ódios de estimação’, retribuindo-lhe com ‘juros de mora’ a «velhacaria» de o ter acusado de enganar o PS («Concluo que ele, de facto, aldrabou-nos», disse Costa).
À medida que o tempo avança e se acumulam os expedientes dilatórios usados pela defesa do ex-primeiro-ministro, instalou-se a convicção de que ficará tudo ‘em águas de bacalhau’ e que nem sequer chegarão a julgamento os escassos crimes apurados, em abril de 2021, pelo esforçado juiz de instrução Ivo Rosa.
No meio de requerimentos e demais recursos em que se afadigam os advogados de Sócrates –com custas e remunerações, cujo valor e suporte ninguém se atreveu a apurar –, este ainda encontra folga para escritas ‘cirúrgicas’, com as quais procura afeiçoar o terreno para um dia reduzir a lixo milhares de páginas….
Sob o signo dos grandes processos pendentes – e a menos que estes acabem resolvidos na secretaria –, no ritual da abertura do ano judicial continuarão a ouvir-se as mesmas lamúrias, para justificar os imensos atrasos, que colocam a Justiça a rivalizar com os hospitais públicos.
Estas demoras são um espelho da degradação da administração pública, que bateu novo recorde ao fixar-se no ano passado nos 741 mil colaboradores. O funcionalismo inchou, sem lograr corrigir o péssimo serviço prestado.
Nos anos 70, o funcionalismo não chegava aos 400 mil, e quase duplicou apesar da informatização. Com um nível de absentismo elevado há sempre gente em falta. O número total de dias de ausência disparou em 2020 e continuou a crescer, mesmo com a pandemia controlada.
Para um certo funcionalismo, o lema não é servir. Mas servir-se