Por Alexandre Faria, escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
A aprovação pelo Conselho de Ministros do conjunto de diplomas que facilita a mobilidade entre os cidadãos da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa foi histórica e decisiva para a afirmação da voz lusófona no quadro mundial, sendo de uma enorme relevância para as nações que partilham entre si estas fortes ligações culturais.
A caminho dos trezentos milhões de indivíduos, esta comunidade constitui, tanto para Portugal como para os outros países que a integram, a mais relevante plataforma económica, social, cultural e linguística, respeitando as vocações oceânicas assentes nos vínculos construídos ao longo dos seis séculos que os unem.
No privilégio da cooperação entre si encontramos o maior legado e a oportunidade única das rotas partilhadas entre a Europa, África, o Oriente e a América do Sul, alicerçados na identidade cultural que os coloca no pelotão da frente da nova ordem mundial, encarando com outra confiança os desafios dos próximos anos.
Pela ratificação do acordo mencionado, Portugal deu um sinal claro desta visão, estabelecendo um novo regime de entrada de imigrantes e uma maior facilidade na emissão de vistos para os cidadãos da CPLP, seja para a obtenção de trabalho ou para vistos de residência, dispensando os candidatos de diversos documentos anteriormente exigidos. Porém, a prática tem visto a demonstrar uma realidade muito distinta.
A regulamentação aprovada deveria promover o estatuto comum e a igualdade entre os seus cidadãos, a exemplo do que sucede na Commonwealth e na Organização Internacional da Francofonia. Ao contrário do que referiu o diretor-geral da Organização Internacional das Migrações, não se trata de encarar o acordo de mobilidade da CPLP como uma política descontrolada de portas abertas. Terá sempre de existir uma verificação dos candidatos, mas também, pelos vistos, de certas entidades consulares.
Envergonhando quem defende a lusofonia como um desígnio, multiplicam-se as denúncias, pelas redes sociais e nos quase inexistentes canais de comunicação oficiais dos consulados, onde se formalizam queixas sobre factos graves e impunes até à data, extensíveis a vários continentes. São denunciadas redes ilícitas que se dedicam à obtenção de agendamentos privilegiados mediante avultados pagamentos a particulares ou agências privadas, manipulando vagas abertas apenas durante noite e sem aviso prévio, encerradas logo de seguida, quer para a renovação de passaportes e cartões de cidadão, quer para as candidaturas a vistos. Para além disso, sucedem-se inacreditáveis casos de declarações proferidas por funcionários, afirmando desconhecerem as recentes alterações legais à mobilidade ou as regras acerca da sua aplicabilidade prática.
Portugal não se cinge ao pequeno retângulo localizado na Europa e a sua face está bem visível nas delegações externas que o representam, devendo ser reconhecido o extraordinário trabalho realizado pela grande maioria. Contudo, sob pena de se originar uma séria falta de confiança no Estado português, não podemos ter uma legislação da maior importância global para depois constatar, dia após dia, a sua inaplicabilidade.