Por Jorge Ribeiro Mendonça
Of-Counsel da Cerejeira Namora, Marinho Falcão
A bordo do Alfa Pendular a caminho de Lisboa, o verso do poema “À Poesia” de Miguel Torga ressoou na minha cabeça com a entoação que um amigo colocava ao dizer este poema. Vou de comboio!
Uma viagem de Alfa entre Lisboa e Porto demora, atualmente – e sempre – , mais de 3 horas, ou seja, mais do que o tempo previsto para a viagem devido a obras de melhoria da infraestrutura entre Aveiro e Gaia. Por vezes os serviços da CP pedem desculpas pelo atraso, outras vezes não manifesta qualquer lamento.
Recentemente o The Guardian fez uma sugestão de viagens em que o repórter especialista em viagens demoradas (“slow travel expert”), Nicky Gardner, recomenda a viagem de comboio Lisboa-Vigo por causa do preço, mas acima de tudo pela experiência enquanto viagem, considerada pelo autor, aliás, como uma das melhores (“finest”) viagens internacionais de comboio, na perspetiva de um viajante em turismo e não de alguém no seu dia-a-dia.
Nicky Gardner explica que não deveria ser assim tão difícil chegar a Portugal de comboio. Relata “há cerca de 15 anos, viajei de Berlim para Lisboa apenas com uma única mudança de comboio em Paris. Mas apesar de grandes melhorias nas redes domésticas de Espanha e Portugal, os serviços transfronteiriços entre os dois países têm sido terrivelmente negligenciados. Desde antes da pandemia que não tem havido comboios internacionais diretos de passageiros de ou para Lisboa.”
Em qualquer cidade europeia há estações com ligações internacionais de comboio, apresentando os seus painéis cheios de cidades e horários de partida. Já em Lisboa, não há uma ligação direta com Madrid. As ligações que existem obrigam a mudanças de comboio e demoram no melhor cenário 9h11m e no tempo estimado mais longo chegam a demorar 18h27m. Note-se, que estes tempos não contabilizam as esperas pelo comboio, nem eventuais atrasos.
Portugal foi nos últimos trinta anos desinvestindo fortemente da linha ferroviária, perdendo ligações, suprimindo horários, diminuindo a oferta. E não se trata apenas de um problema de falta de ligação com a Europa, pois as ligações domésticas têm sofrido igual tratamento, nem uma tendência dos anos 80 e 90.
No início da pandemia COVID-19, foi suprimido o Lusitânia que permitia a ligação noturna entre Lisboa e Madrid e o Sud-Express que ligava Lisboa a Hendaia em França. As supressões não são algo de um passado longínquo, a supressão dessas ligações ocorreu a 17 de março de 2020 e o fim da pandemia apenas trouxe a confirmação de que tais ligações não seriam repostas.
No passado mês de novembro, o Governo anunciou o ambicioso novo Plano Ferroviário Nacional. A existência de um plano é, em si mesma, de saudar. No entanto, entre ideias novas e ideias não tão novas, o plano foca-se num horizonte de médio longo prazo, a pensar em 2050. É de notar, no entanto, que existe um plano Ferrovia 2020, em execução e que está dois anos atrasado e com apenas 15% das obras concluídas!
Falar de transição energética não pode ser apenas substituir os automóveis, com combustíveis fósseis, por automóveis a energias renováveis, nem tão pouco se deve dissociar do desenvolvimento económico. Imagine-se, por exemplo, quantas viagens se fariam de comboio e não de avião se existisse uma ligação ferroviária com Madrid e como isso ajudaria a desenvolver os negócios entre os dois países e a criar mais proximidade social e económica. Imagine-se quantos carros tiraríamos das autoestradas se tivéssemos melhores ligações ferroviárias domésticas e como poderíamos esbater os fossos regionais.
É necessário repensar todo o modelo de mobilidade dentro das cidades e pensar as conexões com outros centros urbanos. Sejamos claros neste aspeto: com o custo de vida cada vez mais caro e com os rendimentos já limitados com tendência a contrair num contexto inflacionista, a aposta na mobilidade não pode ser apenas um sonho de ativistas. A aposta na mobilidade, permitirá desenvolver alternativas mais sustentáveis, oferecendo um balão de oxigénio do ponto de vista financeiro e ambiental.