O cerco aperta-se em torno do crédito e o mais penalizado é o da habitação. Tal como já se previa, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou uma nova subida de 0,5% com vista, mais uma vez, a tentar controlar a inflação. E os aumentos não ficam por aqui. «O Conselho do BCE prosseguirá a trajetória de subida significativa das taxas de juro a um ritmo constante e mantê-las já em níveis suficientemente restritivos para assegurar um retorno atempado da inflação ao seu objetivo de 2% a médio prazo. Nessa conformidade, o Conselho do BCE decidiu proceder a um aumento de 50 pontos base das três taxas de juro diretoras do BCE, as quais espera continuar a aumentar», anunciou o BCE, em comunicado.
Uma tendência que irá continuar a ter impacto nas taxas Euribor, que também subirão, o que tornará o crédito mais caro, aumentando por exemplo o valor das prestações mensais das hipotecas. A situação também terá reflexos em quem está a pensar em pedir um empréstimo.
Já em relação ao que esperar no futuro, há dúvidas. «As taxas de juro de referência passam para o patamar dos 3%, sendo que ainda existem expectativas para novas subidas ao longo deste ano», refere ao nosso jornal o analista da XTB Henrique Tomé. As contas são simples: «Durante a primeira metade deste ano espera-se que os juros continuem a subir. No entanto, também se espera que a partir do 1.º trimestre do ano a escala destas subidas seja inferior às decisões anteriores».
Tomé reconhece que, embora a inflação permaneça elevada, começam a surgir sinais de que o pico já poderá ter sido atingido e, por isso, refere que não se devem esperar aumentos sobre os juros de forma tão agressiva como os que foram registados ao longo de 2022.
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, diz que o mercado antecipa uma nova alta de mais meio ponto percentual na reunião de 16 de março, seguida por uma nova subida na reunião agendada para 4 de maio, mas de apenas um quarto de ponto percentual. «O mercado antecipa ainda uma alta de mais 25 pontos base durante o próximo verão, fechando assim o ano de subidas num aumento total de mais 150 pontos base, ou seja, 1,5 pontos percentuais. Assim sendo, as taxas terminais atualmente projetadas seriam de 3,5% para a taxa de depósitos do BCE, 4% para a taxa de referência e 4,25% na cedência de liquidez».
E acrescenta: «O mercado antecipa também algum alívio das taxas de juro no final do ano em 25 pontos base».
Prestações disparam
Henrique Tomé lembra que, em Portugal, como mais de 90% dos créditos à habitação têm taxa variável, «as famílias irão ver o seu poder de compra ser reduzido mais uma vez».
Uma opinião partilhada por Paulo Rosa. «Aqueles que têm empréstimos indexados às taxas Euribor a três e seis meses terão, com alguma certeza, ainda atualizações em alta do seu contrato no prazo de renovação». No entanto, acredita que será provável que os empréstimos à habitação vinculados à Euribor a 12 meses já tenham algum alívio daqui a 12 meses, ou seja, em janeiro de 2024, relativamente aos valores atualmente observados.
De acordo com as simulações feitas para o i pela plataforma ComparaJá.pt, para um imóvel avaliado no valor de 125 mil euros a pagar em 33 anos, se a prestação no início do ano se fixava em 366,15 euros (com uma taxa de juro média de 0,87%), em novembro já subiu para 503,16 euros (taxa média de juro de 3,08%) e em fevereiro irá subir para 538,42 euros, aliando a taxa de juro ao acréscimo previsível de 0,5%. Isto é, uma subida de 35,36 euros por mês, mas mais 172,27 euros face a fevereiro.
Já para um imóvel de 186 mil euros, a pagar no mesmo prazo (33 anos), se em janeiro pagava 540,51 euros, a prestação subiu para 748,71 euros em outubro. Com este aumento dos juros irá pagar em fevereiro uma prestação de 801,17 euros. Ou seja, um aumento mensal de 52,46 euros e uma subida 260,66 euros em relação a fevereiro.
O cenário repete-se para uma casa de 257 mil euros também a pagar a 33 anos. A prestação que em fevereiro era de 799,15 euros subiu para 1096,96 euros em novembro deste ano. A concretizar-se esta subida de 0,5%, irá pagar em fevereiro uma prestação mensal de 1184,63 euros. Feitas as contas, mais 87,68 euros por mês e um aumento de 386,48 euros em relação ao início do ano.
Pouco otimista está Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/crédito habitação que, depois de ter conhecido a decisão da entidade liderada por Christine Lagarde, revela que «o anúncio de novos aumentos nas próximas reuniões são esclarecedores, o que pode afetar ainda mais a economia de muitas famílias com créditos habitação de taxa variável nos próximos meses. É possível que no primeiro semestre deste ano os juros atinjam, ou até mesmo, possam ultrapassar os 4%, impulsionados por uma inflação subjacente que não permite ser demasiado otimista».
Ainda assim, reconhece que, «apesar de, ao contrário de outros países, muitas entidades bancárias em Portugal serem mais relutantes a conceder novos empréstimos com taxas mistas/fixas ou, então, oferecerem-nos a taxas muito elevadas, este tipo de crédito habitação tem sido cada vez mais frequente entre as novas escrituras», referindo que desde o início da escalada dos juros em julho, a taxa mista surge como uma fórmula escolhida pelas famílias para obter financiamentos com preços mais baixos e estáveis por um período inicial de anos, de forma a protegerem-se da atual incerteza.
De acordo com a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – esta instabilidade tem levado a receber centenas de contactos de famílias a pedir esclarecimentos sobre o aumento das prestações do crédito à habitação face ao aumento das taxas de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE). Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GPF) lembra que, apesar de as novas regras para renegociar o crédito à habitação terem entrado em vigor em novembro e permitirem, por exemplo, às famílias baixar a prestação da casa para um valor compatível com os seus rendimentos, a banca não tem estado sensível e até tem dificultado a renegociação dos créditos. «O que temos estado a assistir é que continua a existir alguma resistência e alguns entraves por parte da banca na hora de renegociar e de reestruturar os créditos. Temos visto famílias que ainda estão a conseguir pagar as suas prestações com muito esforço a contactarem a banca e esta, muitas vezes, a dizer que não reúnem as condições para levar a cabo essa mesma restruturação, sem muitas vezes explicar o porquê».