JMJ. No fim, o Espírito Santo ajuda

Já saiu fumo branco da reunião entre CML, Igreja e Mota-Engil, quanto ao palco-altar e aos cortes nos custos. O resto está tudo muito atrasado, mas todos acreditam que a 1 de agosto estará tudo a postos para a Jornada Mundial da Juventude.

Quando alguém quer elogiar a capacidade de improviso dos portugueses costuma sempre recorrer à história do alemão que quer pregar um prego mas não tem martelo. Sem a ferramenta adequada, o alemão quer desistir mas ao seu lado está um português que rapidamente resolve o problema, pegando numa pedra ou no tacão do sapato para colocar o prego onde é preciso. Esta analogia serve na perfeição para se perceber o estado organizacional em que está a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) a 171 dias do início do evento. Vai haver dois palcos principais ou apenas um? Quais os custos dos mesmos? Quantos beliches serão necessários para alojar todos os peregrinos que não ficarão alojados em residências particulares – e aqui estamos a excluir os que poderão ficar em alojamentos locais e hotéis.

Quantos agentes policiais terão de ficar alojados em Lisboa, já que serão destacados dos mais variados pontos do país? E onde ficarão abrigados? Onde ficarão colocados todos os envolvidos na segurança da JMJ? Em que ruas, túneis, prédios, etc? 

Para se ter uma ideia da complexidade do evento, diga-se que quando um chefe de Estado estrangeiro visita Portugal é preciso delinear rotas alternativas que o mesmo poderá percorrer, sendo habitual existirem três percursos, mas os mais familiarizados sabem que aquele onde o chefe de Estado irá passar tem os elementos do Grupo de Operações Especiais (GOE) nos telhados dos prédios dessas artérias.

Quantas camionetas terão de ser alugadas para transportar os peregrinos dos locais onde ficarão alojados, além dos meios necessários para os levar dos aeroportos para os seus aposentos? Voltando à complexidade da ‘operação’, diga-se que não é suposto autocarros com mais de cinquenta lugares se aproximarem do parque Tejo, local da JMJ.

Continuando nas questões logísticas, quantos restaurantes vão aderir ao ‘pacote’ que os peregrinos pagam no ato da inscrição, e que não deverá ultrapassar os sete euros por refeição? A Fundação Jornada Mundial da Juventude (FJMJ) assinou um protocolo com a AHRESP – Associação da hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, em que esta se comprometeu a encontrar associados que queiram ‘entrar’ no projeto. Depois, a FJMJ verá quais os espaços que lhe interessa  e fechará  o acordo, que não deverá ultrapassar os sete euros, e deverá incluir uma sopa, uma bebida e um prato principal. Esta despesa fica a cargo da Igreja, já que os peregrinos pagaram a inscrição, no caso de terem dito que querem refeições incluídas. 

Podíamos continuar com as questões de seguros, casas de banho, palcos, luzes, som e por aí fora, e já lá vamos, mas chegados aqui convém falar da analogia do princípio do texto, até porque a Câmara de Lisboa, a Igreja e a Mota-Engil já chegaram a acordo, no que diz respeito aos custos do palco do Parque Tejo, além de outros cortes referentes ao orçamento da autarquia de Carlos Moedas.

Várias fontes de diversas áreas envolvidas na JMJ dizem o mesmo: «Vai estar tudo pronto a horas, mas muitas horas extra vão ser consumidas até lá. Em todas as áreas vai ser preciso acelerar e recuperar o tempo perdido, até porque a JMJ é organizada por uma entidade que é amadora nestas situações: a Igreja. Se estivéssemos a falar da UEFA, sabíamos que são profissionais mais do que acostumados a fases finais de europeus ou de competições de clubes e que tudo é devidamente acompanhado. Aqui não, a Igreja não é especialista em eventos desta dimensão, que poderá ultrapassar um milhão e meio de participantes. Não percebo a razão de se estar a pedir contas a meio da JMJ, quando só se o devia fazer no final», conclui um dos envolvidos no evento. 
 
Segurança e alojamento
Mas voltemos à segurança, que acaba por ser o espelho dos problemas existentes. «Quando estivemos em Espanha, na semana passada, os espanhóis ficaram malucos com os nossos atrasos. Como é possível não sabermos em quantos locais teremos de fazer segurança? Quantos palcos haverá, além de cinemas, pavilhões, etc, onde se irão realizar manifestações culturais/religiosas? O eixo do Parque Eduardo VII/Avenida da Liberdade irá ter um ‘peso’ significativo nas comemorações?», questiona fonte da segurança. 

Se a Câmara de Lisboa, a Igreja e a Mota-Engil já sabem onde vão cortar nas despesas, falta tudo o resto, nomeadamente os custos de mobilidade, que passam pelo Governo, e o alojamento. «Daqui a meia dúzia de dias o figurino estará completo e é natural que o Governo, através da grupo liderado por José Sá Fernandes e a Igreja, na pessoa de D. Américo Aguiar, apresentem a agenda final. Aí ficaremos a saber quantos peregrinos serão alojados em casas particulares e nas instalações da Igreja, nomeadamente seminários, além das escolas, pavilhões e quartéis. E estamos a falar, é bom não o esquecer, de mais de um milhão de pessoas», salienta outra fonte ligada à JMJ.

A Igreja garante que nas próximas duas ou três semanas anunciará todos os locais onde ficarão instalados os peregrinos, mas já se sabe que não podem ficar alojados a mais de 40 quilómetros do Parque Tejo. Cabe agora às paróquias anunciarem a disponibilidade dos paroquianos, bem como os protocolos que fizeram com as câmaras e o Governo. Já os agentes da PSP que tenham de ficar na capital, irão dormir no antigo quartel da Polícia Militar, na Ajuda, no Ralis e nas camaratas da Escola Prática de Torres Novas. 

Dando um exemplo concreto da grandeza do evento, diga-se que Lisboa tem 257 hotéis registados, com 24 614 quartos, correspondendo a 47 269 camas. Sabe-se já que nessa altura haverá hotéis a cobrarem mais de 400% do que é habitual, por causa da lei da procura e da oferta. É que muitos familiares dos jovens peregrinos ficam hospedados em unidades hoteleiras e em alojamentos locais, tornando a capital de 1 a 6 de agosto uma cidade com um letreiro à porta de «esgotado». Reforçando a importância da JMJ, há casas em Santa Iria de Azóia a serem alugadas a três mil euros ao dia e quartos a mais a mil euros. Como é suposto o Papa ir a Fátima, aí há casas a serem disponibilizadas a mais de oito mil euros por dia. Quando se diz que o Governo vai gastar cerca de 30 milhões e a Câmara de Lisboa 35 milhões, é preciso acrescentar que muitos vão ganhar um bom pé de meia que cai praticamente do céu. E, claro, o Estado irá recuperar muito do investimento.

Para quem não acredita em milagres, diga-se que não há memória de uma informação tão bem guardada como a da diminuição de custos do palco-altar do Parque Tejo e o do Parque Eduardo VII. O pacto de silêncio entre as três partes envolvidas foi levado à risca e a comunicação social apenas pôde especular. «Ficou combinado que ninguém daria essa caixa, e que o anúncio seria feito em conferência de imprensa», revela fonte da organização. 

Se tudo corre à bela maneira portuguesa, a do desenrascanço, ainda ninguém percebeu muito bem como é que alguém conseguirá sentar à mesma mesa Carlos Moedas, D. Américo Aguiar e José Sá Fernandes. Ou, por outro lado, como é possível levar esta empreitada avante sem estas três personalidades se entenderem. Mas, lá está. Moedas reúne-se com a superior hierárquica de José Sá Fernandes e D. Américo Aguiar com o representante do Governo. Se isto não dá matéria para um filme, pode dizer-se que, seguramente, inspirará um sketch humorístico, com Sá Fernandes no papel que outrora Valentim Loureiro celebrizou: ‘Quantos é que são, quantos é que são?!?’.