Em 2022, Portugal não evoluiu positivamente no Índice de Democracia elaborado anualmente pela revista The Economist. Há três anos, à boleia da pandemia, dos estados de emergência e das restrições às liberdades, Portugal desceu à categoria de «democracia com falhas», e, desde então, nunca mais conseguiu regressar ao estatuto de «democracia plena», no qual estava em 2019.
O relatório de 2022, divulgado pela The Economist Intelligence Unit, atribui a Portugal uma pontuação total de 7,95 em 10, contribuindo para que o país se mantenha no 28.º lugar na classificação global, mas em 16.º na regional, que diz respeito à Europa Ocidental. Nesta classificação, a democracia portuguesa só fica à frente das de Malta (17.º), Itália (18.º), Bélgica (19.º), Chipre (20.º) e Turquia (21.º).
Entre os critérios avaliados, Portugal consegue obter a sua melhor pontuação no processo eleitoral e no pluralismo (9,58 em 10) e nas liberdades cívicas (9,12 em 10). Já em critérios como a participação política (6,67) e a cultura política (6,88), fica muito aquém da maioria dos países europeus.
Em declarações ao Nascer do SOL, Alberto Gonçalves não se mostra surpreendido com estes dados. «Os portugueses, tirando naqueles anos revolucionários que justificavam essa participação política, foram desligando-se progressivamente da política», comenta.
O sociólogo e cronista político admite que «até certa altura achou positivo esse afastamento dos portugueses», uma vez que essa era a tendência em países com democracias mais antigas e estáveis. Contudo, à medida que os anos vão passando, começa a parecer-lhe «preocupante» essa indiferença dos cidadãos.
«Em termos de participação eleitoral, não se nota grande diferença nos níveis de abstencionismo. Mas entre as pessoas que vão votar, há quem já vote quase por inércia», refere, acrescentando que «muitos votam no partido em que sempre votaram, ou votam no PS porque ‘o PS é amigo’».
Para Alberto Gonçalves, os portugueses «parecem viver numa apatia, em que nada do que acontece no mundo partidário e político os afeta». Para isso, diz ainda, tem contribuído a forma como o poder e o contra-poder têm sido exercidos.
«Há um partido que conquistou mais ou menos o Estado e ajudou a que o Estado tomasse conta de boa parte do país. E, depois, há uma oposição que protesta, que parece reproduzir conversas de café. Há ali uns resmungos, ocasionalmente, sobre um assunto ou outro, mas, de facto, não parece haver uma oposição com uma visão alternativa para o país. Portanto, não me admira que essa apatia dos políticos de certo modo se transmita às pessoas», atira.
Entre os líderes partidários que se vislumbram numa «oposição cansada», o sociólogo diz que apenas se vê o entusiasmo em André Ventura, do Chega, «com a sua retórica sempre muito ardente». Ainda assim, continua, «ninguém acredita neste momento que haja alguém na oposição que possa chegar a primeiro-ministro».
‘Portugal não tem grande sentido democrático’
Por seu lado, José Miguel Júdice destaca que Portugal está muito bem situado a nível mundial no Índice de Democracia. «Portugal está à frente dos Estados Unidos, de Israel, ou até da própria Bélgica, portanto, não tiraria grandes ilações disto», afirma em declarações ao Nascer do SOL.
Apesar disso, o advogado e comentador político também reconhece que Portugal não é um país que participe muito na política, embora isso também possa jogar a nosso favor. «Em teoria, a democracia varia na razão direta da participação política, mas devemos analisar que tipo de participação política estamos a falar, porque se for uma participação pelo confronto, muito agressiva, com violência, isso também pode prejudicar a democracia», sublinha.
Já o critério de cultura política é o que preocupa mais José Miguel Júdice. «A cultura política é aquilo que no fundo dá coesão a uma sociedade, portanto, isso quer dizer que somos uma sociedade menos coesa apesar do ambiente sereno em que vivemos», esclarece.
O jurista vai mais longe e diz mesmo que «Portugal não é um país com grande sentido democrático», algo que na sua ótica resulta de vários aspetos, nomeadamente «o tempo que se viveu em ditadura ou as forças antidemocráticas com participação determinante em vários setores». «Não se pode dizer que o sistema sindical emPortugal segue um modelo democratizado», dá como exemplo.
Ainda assim, José Miguel Júdice não se admira com a classificação da democracia portuguesa. «Temos fragilidades, sem dúvida. O sistema judicial funcional mal, a participação política através de partidos é muito limitada. Não nos podemos esquecer que somos 10 milhões e que apenas 200 mil são filiados em partidos. Temos uma aristocracia que define a política em Portugal», aponta.
Comparativamente com o resto da Europa, o comentador político também admite «que Portugal está a perder posição, como está em tudo». «Estamos cá para baixo em PIB per capita, em literacia, em termos económicos, portanto, é natural que no Índice de Democracia também não estejamos em cima», concede o antigo bastonário da Ordem dos Advogados.