por Carlos Carreiras
As alterações climáticas deixaram de ser um conceito abstrato. Só não vê quem não quer. Os fenómenos extremos tornaram-se mais habituais e mais violentos. As seguradoras estimam que o número de catástrofes relacionadas com fenómenos climatéricos tenham quadruplicado desde 1970 e não estamos a considerar as catástrofes decorrentes de istmos, terramotos e maremotos.
E um relatório da ONU divulgado no ano de 2022 estima que a concentração de CO2 na atmosfera terrestre tenha atingido o valor mais elevado em milhares de anos.
Perante esta dramática alteração do mundo, que atingirá centenas de milhões de pessoas em todo o globo e mudará o nosso modo de vida, temos duas hipóteses: ou engrossamos a corrente dos crentes negacionistas desvalorizando e ridicularizando a evidência científica e empírica; ou, com o suporte da ciência, escolhemos agir na defesa do nosso modo de vida, da dignidade humana e do nosso planeta.
Penso que há um consenso tácito na sociedade portuguesa de que devemos estar ao lado dos que querem um futuro sustentável. Ele tornou-se ainda mais evidente depois de o país ter sido tocado por catástrofes extremas nos últimos tempos.
Paradoxalmente, esse consenso não se tem refletido de forma expressiva na ação política do Governo atual.
Tem mesmo de haver mudança. Essa mudança tem de passar, numa primeira fase, pela mobilização do todo nacional. Governo Central, governo local, empresas, escolas e cidadãos: todos têm de dar o contributo do limiar de emergência em que se encontra. Tenho a convicção de que qualquer mudança estrutural deve assentar em quatro pilares.
O primeiro pilar é o da resiliência e proteção civil. Como tenho defendido, proteger os cidadãos é a tarefa primordial do Estado. A resiliência mede essa capacidade de garantir a segurança individual e coletiva, ao mesmo tempo que nos aponta o caminho para a reposição da normalidade nas sociedades.
A tarefa de curto prazo é, pois, reforçar os mecanismos de proteção civil para que Portugal esteja preparado para os choques extremos.
O segundo pilar é de longo prazo e está ligado à ideia que temos de país e de sociedade. Os Objetivos do Desenvolvimentos Sustentável (ODS) das Nações Unidas são um mapa, apolítico e apartidário, para o desenvolvimento sustentável. Conjugam crescimento económico e a sustentabilidade ambiental, salvaguardando os impactos sociais.
O terceiro pilar é o ordenamento do território. Os incêndios mostraram o interior do país exposto na sua debilidade económica e demográfica. Mas não tenhamos ilusões: testado por outros eventos extremos, como um sismo (cuja probabilidade é elevada na área da Grande Lisboa), também o país, com índices de desenvolvimento europeu, seria exposto em toda a sua fragilidade. É tempo de admitir o que todos sabemos: o planeamento do território privilegiando a segurança nunca foi uma prioridade para os decisores políticos portugueses nas últimas décadas, talvez até no último século.
Quarto e último pilar: a descentralização. Esta ideia de reforma do país tem de ser feita do local para o global. Os autarcas conhecem melhor o terreno e as suas necessidades do que os vários poderes do governo central. As autarquias precisam de mais competências legais para fazer o que tem de ser feito.
Precisamos de um país diferente daquele que tivemos até agora. Certamente mais resiliente e economicamente mais sustentável. Mais focado na segurança das gerações do presente e sobretudo preocupado com o futuro das gerações mais jovens.
Todos sabemos que os incêndios, tal como os sismos, vão acontecer. A ciência só não nos diz quando. A variável tempo, não estando sob controlo político, pode e deve ser trabalhada pelos decisores públicos.
Os políticos também serão avaliados pela capacidade que tiverem de antecipar, preparar e conter os efeitos das catástrofes.