Por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Estamos a perder a característica secular portuguesa dos brandos costumes, por cedência a uma desumanização crescente, optando-se por trilhar um perigoso caminho na direção do fim dos princípios do Estado social, dos conceitos básicos de Humanidade e do respeito pelo próximo.
Os recentes acontecimentos em Odemira e em Olhão, com o brutal espancamento de cidadãos imigrantes, acrescidos do facto de, neste último caso, os criminosos se terem dado ao luxo de filmar as agressões e de as publicar livremente nas redes sociais, inebriados num inacreditável sentimento de impunidade, deveriam preocupar seriamente cada português, assim como uma rede de organismos públicos incapaz de proteger e de integrar quem escolhe o nosso país para viver.
Numa sociedade cada vez mais dividida, polarizada e individualista, ingrata perante o facto de sermos um país de imigrantes, estamos a esquecer com demasiada facilidade o papel de acolhimento desta terra ao longo dos tempos, onde diversos conflitos armados mundiais são excelentes exemplos.
Desde a sua fundação, Portugal fez-se país, pelos séculos subsequentes, por quem o escolheu para morar e desenvolver as suas profissões. Quem duvida disso, nem precisa de procurar em bibliotecas, basta que observe em seu redor os inúmeros indícios da nossa cultura comum.
Podemos, com legitimidade, atribuir este fenómeno de intolerância em expansão aos discursos políticos xenófobos que proliferam por vários lugares, até sob o celestial teto do Parlamento nacional. Nessa irresponsabilidade, permite-se a veleidade de deturpar as lições da história e de desfigurar, ano após ano e com total à vontade, as datas comemorativas mais significativas da verdadeira liberdade.
São atentados ponderados e específicos, responsáveis por causar propositados danos irreversíveis para o futuro, e acontecem sob as barbas da complacência de uma esquerda que não sabe reagir com veemência às provocações ideológicas de uma direita fascizante. Não sabe fazê-lo, porque apenas responde no âmbito dos princípios democráticos, ou seja, precisamente o campo onde o adversário não joga.
E o mundo dos nossos dias, em geral, dá um amplo espaço de manobra às tendências extremistas, face às migrações recorrentes e às crises económicas onde tanto gostam de proliferar. Um mundo que se alimenta de palavras ocas, imerso na futilidade dos discursos e onde a ausência de compromissos concretizados impera.
Que a visita-relâmpago do Presidente da República à escola dos agressores de Olhão não tenha o mesmo efeito do seu desígnio nacional de erradicação dos sem-abrigo, bem visíveis nesta recente vaga de frio, e que se atue, com determinação.
Sob pena de perdermos gerações, atendendo a uma Educação intermitente, os mais jovens não se podem esquecer que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo absolutamente proibida qualquer distinção baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou opinião política.