A crise na Educação

«Está tudo podre. E de madeira podre não se faz boa obra».

por Fernando Matos Rodrigues
Antropólogo e Investigador CICS.NOVA UM/LAHB

 

Tomamos de empréstimo o título de um dos capítulos do livro "ENTRE O PASSADO E O FUTURO" de Hannah Arendt (1992/1961) para reflectir sobre o que se passa na Educação em Portugal. 

Perante as três últimas grandiosas manifestações pela defesa da Escola Pública nas ruas de Lisboa, o governo de Portugal, em particular o Primeiro Ministro e o seu ministro da Educação teimam em continuar a não perceber a realidade e refugiam-se nos joguinhos da pequena politica, com destaque para o silêncio irresponsável do Primeiro Ministro António Costa e do ministro da Educação com acções e intervenções que em nada acrescentam para a solução deste grave problema.

De acordo com esta movimentação de luta nacional pela Educação, poder-se-ia supor que o Governo chamaria a si a solução até agora adiada e apresentaria um quadro de soluções de forma a responder às solicitações dos sindicatos, dos professores e da comunidade escolar. Mas, infelizmente, o governo continua sem aceleração, sem reação, sem capacidade criativa para dar uma resposta séria e programada às reivindicações de toda a comunidade escolar. Um governo que se encontra em «estado de greve» perante a onda avassaladora dos acontecimentos, que se refugia na ilusão da propaganda governativa e que reduz a sua existência política a um estado de alma, onde reina o ressentimento e a arrogância permanente.

Infelizmente, estamos mais uma vez, perante um governo maioritário que sofre de um autismo político grave, que perdeu a liderança do país, que vive a reboque dos problemas que adia, que promove a cada dia que passa a degradação dos serviços públicos (Educação, Saúde, Habitação, Segurança e Trabalho), que faz da retórica e da demagogia a sua forma de governar e que não escuta os professores e a escola em luta.

É oportuno dizer, «Costa escuta, a Escola está em luta».

Os professores e a comunidade escolar na sua generalidade representada pelos seus diversos sindicatos, com destaque para a iniciativa corajosa e mobilizadora do S.T.O.P. e complementada pelo grande sindicato dos professores – S.P. devolvem à luta sindical, enquanto luta pelo trabalho digno e justo, um novo significado e uma nova esperança. O acontecimento está de regresso à vida politica, destronando a acção no seu sentido mais cinematográfico e imagético das lutas sem actores e sem protagonistas. A luta dos professores e da comunidade escolar é uma luta que transcende as especulações mediáticas e espectaculares, para se centrar na luta concreta e na defesa da Escola Pública ameaçada pela sequência de anos a fio com políticas erráticas e ministros incompetentes.

A crise na educação é um sinal da decomposição em que se afundam os partidos sociais democratas e socialista europeus, com a aplicação de décadas de políticas neoliberais, que conduziram à degradação do Welfare State e que levou ao esgotamento do Partido Trabalhista inglês, à degradação da vida pública em Itália, França, Espanha e mais tarde em Portugal (Touraine, 1996:10 ss), abrindo a porta a soluções políticas distópicas, populistas e neocorporativistas.

Os governos continuam a viver na obsessão das “contas certas”, dos «défices zero», acreditam no mercado regulador e de que não existe uma alternativa a este credo neoliberal, comandado a partir dos directórios burocráticos e anti-democráticos de Bruxelas (BCE) e das organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional. As políticas neoliberais desde finais dos anos 80 do século XX foram tomando conta de instituições como o FMI, a OCDE, a UNESCO, a ONU e a UE. A partir daí contaminaram os directórios dos partidos sociais democratas e socialistas, destruindo o Estado e colocando em risco os direitos sociais e o estado de Bem Estar Social Europeu. A decomposição dos partidos sociais democratas e socialistas na Europa, está diretamente associada ao facto de terem abraçado essas políticas, cedendo aos directórios das instituições internacionais, sem ignorar o colapso da URSS e do Comunismo que veio contaminar o socialismo democrático e a social democracia europeia.

A adesão de Portugal ao Tratado de Maastrich (1992), implicou a obrigatoriedade de promover um conjunto de regras económicas e de programas de matriz neoliberal que tinham já implícito um novo conceito de estado social mínimo, assistencialista e corporativista. Um estado mínimo nos direitos constitucionais (Educação, Saúde, Habitação, Segurança, Defesa e Trabalho, etc.) e o aparecimento de um Estado Forte, fiscalista e cobrador de impostos, capaz de desviar dinheiros públicos para a finança e para os fundos internacionais, criativo em instrumentos para isentar os grandes negócios e fundos imobiliários de impostos.
 

A Luta dos professores é uma luta que ultrapassa os seus interesses corporativos e profissionais imediatos, é acima de tudo, uma luta pela dignidade e pelo respeito da Escola Pública. Uma luta de rua que vai para além da Educação e do trabalho, que foca a destruição do Estado, da Democracia, do Trabalho Digno e Justo, da Habitação Digna e da Cidade Justa. Não é uma luta para proteger interesses adquiridos, nem categorias intermédias. É uma luta em benefício da reposição de direitos saneados e roubados, de combate a avaliações fraudulentas que estão ao serviço de jogos financeiros que pretendem a destruição da Escola Pública, como elevador social e garante de equidade entre classes sociais.

A Educação encontra-se em estado de crise, sem solução à vista por causa de um governo forte no parlamento, fraco na negociação, manipulador na concertação e medíocre na governação. Um governo que perde acção governativa e autoridade política desta forma, não pode concertar nem dialogar.

Esta evidência de impasse governativo deve mobilizar o Presidente da República para a mediação entre o governo e a comunidade escolar de forma a evitar um cenário de lock-out da educação.