O beijo no inimigo

Ah! Saiu o relatório da Comissão independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica! Um dia duro.

 Ele há coisas! Nem queria acreditar. Talvez seja do tempo. Ou será da proximidade do Carnaval? No Algarve, faz um vendo danado, o mar rosna com o sueste. E por aí?

Ah! Saiu o relatório da Comissão independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica! Um dia duro. Mas os abusos sexuais de crianças, dentro e fora da Igreja, são igualmente duros, não é? Um aperto no estômago, o fel a escorrer garganta abaixo, o vómito que não sai. Na RTP3, Paulo Pedroso defende o aumento do prazo de prescrição dos crimes de pedofilia. Fala-se nisso, pelo menos, desde o escândalo da Casa Pia! Por onde andaria Paulo Pedroso nessa altura? A memória falha-me. Deve ser uma provocação do vento, ou a risada estridente e antecipada do Carnaval? Também, quem manda ligar a TV e o que interessa o que o socialista diz? Amanhã, já se arrependeu. Sei, por conhecimento próprio, que é homem de grandes arrependimentos. Já fui alvo de um desses repentes sentimentais de Pedroso.

Foi num dia sombrio. Para nós, os amigos, será sempre um dia sombrio. Eu estava muito próxima da urna. Junto à família. Corria o julgamento da Casa Pia e um grande alvoroço pelo país. Pedroso entrou na capela juntamente com António Costa, à época presidente da Câmara de Lisboa. Entre a família, havia algum espanto. Pedroso não era das relações de quem partira. Os velórios são locais de catarse. No meu grupo, naquele momento, a maledicência era inevitável: «A sua vida social agora resume-se a isto», disparou um cómico.

De repente, sou violentamente osculada. Era Pedroso que sibilou algumas palavras de pesar. Confundira-me com a viúva. Na capela, silêncio e gelo. Pedroso larga-me, meio confuso. Regressa ao grupo de António Costa, que rapidamente lhe esclarece o equívoco. Podiam-no ter contido, talvez até tivessem tentado, mas não o travaram. Esbracejando, aproxima-se de novo de mim: «Eu não a queria beijar, ouviu? Eu não a queria beijar!». Num tom esganiçado que geralmente me incomoda. Mas mantive-me impávida. E é assim que vou continuar. Que interessa o que Pedroso disse na RTP3?! É homem de farsas e arrependimentos.