Por Ester Amorim
Os nossos antepassados nasceram e viveram a maior parte da sua vida em ditadura lutando e arriscando a sua própria vida para nos deixarem como herança um país livre e democrático. Antes de Abril de 1974 Portugal era um país isolado e fechado ao mundo, nem a Espanha, única fronteira terrestre, nos aceitava. A nossa emigração para a Europa era feita clandestinamente e quando conseguiam chegar a esses países, pensando ter uma vida melhor, deparavam-se com trabalhos deploráveis e condições habitacionais miseráveis. Os portugueses emigrantes eram desprezados e ignorados, o seu estatuto era simplesmente a humilhação.
O 25 de Abril de 1974, valeu a pena, não foi só o fim de uma ditadura e de um isolamento foi também um grito de alerta para com o mundo que até aí nos ignorava. Hoje pelo nosso percurso democrático, somos cidadãos do mundo com acesso a todas as profissões e igualdade de género, somos reconhecidos e prestigiados. Os portugueses, já não são os emigrantes desprezados pela sociedade mundial, mas sim respeitados e reconhecidos pela sua inteligência e competências, são cientistas, investigadores, magistrados, empresários, desportistas, banqueiros, políticos e personalidades a desempenhar e presidir a instituições de nível mundial. Temos relações diplomáticas a nível global e circulamos livremente pelo mundo.
Tudo isto foi o maior legado que nos deixaram os nossos antepassados. Foram eles que nos afastaram do isolamento internacional e nos transmitiram o orgulho de ser português.
Na realidade a democracia plena foi um bem adquirido e conseguido e os dois partidos políticos com responsabilidades de formar Governo, PS e PPD/PSD, sempre se preocuparam com o aparecimento de partidos extremistas de direita ou esquerda e o seu crescimento foi sempre travado.
Ao estar a falar do passado não é por saudosismo porque não fiz parte dele, não o vivenciei, mas sim porque a História nos transmite essa realidade. O 25 de Abril de 1974 é um marco na mudança política de partido único, para a democracia representativa.
Já lá vão muitos anos, o mundo mudou os protagonistas são outros, mas no PS e PPD/PSD, sempre respeitaram o legado dos fundadores. De repente, afinal por tática e estratégia esses princípios foram alterados e os valores já não existem.
Como é possível existir um partido, cujo nome abomino, de uma só pessoa que se retrata racista, xenófobo, sem educação, sem respeito pelas pessoas e pelas instituições! Embora possuindo habilitações académicas superiores, não tem uma única ideia política, o seu único argumento é a calúnia. É um entusiasta das ideias de Trump, Bolsonaro, Le Pen, Salvini, Abascal o pior que existe à face da terra. Um líder que defende a pena de morte, o extermínio das minorias étnicas, que não aceita imigrantes, estar a ser normalizado pelos dois maiores partidos PS e PPD/PSD, nunca será uma solução, mas sim um problema.
Pouco adianta os responsáveis partidários do PS e PPD/PSD dizerem que tem linhas vermelhas em relação a esse partido racista, quando são eles que o normalizam. Será normal o PS estar representado no seu congresso por uma ministra? e o PPD/PSD por um vice-presidente? Foram recebidos com desprezo e humilhados pelo líder desse partido xenófobo, mas para se justificarem junto dos jornalistas dizem que foi uma presença institucional, não…. o que eles fizeram com a sua presença foi aumentar a visibilidade desse líder partidário.
Os líderes do PS e do PPD/PSD em termos ideológicos, de responsabilidade e de valores, nada têm em comum com esse partido nem com esse líder, mas sem dúvida que por interesses partidários e objetivos estapafúrdios podem levar-nos ao desastre.
O PS tudo faz para dar palco ao partido e a esse líder racista e xenófobo, para conseguir retirar votos e visibilidade ao PPD/PSD e assim se poder manter eternamente no poder. O PPD/PSD, por sua vez, tem outro objetivo ao não se afastar totalmente em relação a esse partido, pensando estrategicamente que com ele poderá um dia formar Governo, está a iludir-se e a cair no abismo.
Portugal tem um sistema semipresidencialista, com regras constitucionais bem definidas. Tanto o Presidente da República como Assembleia da República, são órgãos diretamente eleitos pela população. Perante os resultados, cabe ao Presidente da República nomear o primeiro-ministro, mas também responde perante o poder legislativo que pode forçar o conselho de ministros a demitir-se por meio de uma moção de censura ou moção de censura construtiva. Também está consagrado na Constituição o poder do Presidente da República, ouvindo os partidos políticos representados na Assembleia da República e o Conselho de Estado, demitir o Governo formar um Governo de iniciativa Presidencial ou dissolver o Parlamento e convocar eleições.
Com o atual Presidente da República, que nunca se desviou dos valores democráticos independentemente de qualquer interesse partidário, nunca será possível dar posse a um Governo com intervenção de um partido xenófobo, mas é importante estar atento e travar o seu crescimento.
Em Portugal nunca foi preciso alterar a Constituição, para que os dois maiores partidos tivessem entendimentos e os cumprissem. Até às eleições legislativas 2015, o partido mais votado era convidado a formar Governo e o partido imediatamente a seguir abstinha-se no primeiro orçamento e o Governo mesmo em minoria estava legitimado. Hoje não acontece e os arranjos parlamentares para se alcançarem maiorias pode levar os pequenos partidos incluindo um partido xenófobo a fazer parte de uma solução.
Respeitar os atos eleitorais é ter a certeza de que o partido mais votado mesmo em minoria forma Governo e o segundo partido mais votado se abstém na votação do primeiro orçamento. Por isso PS e PPD/PSD e os seus líderes entendam-se e não pensem em arranjinhos pouco dignificantes.