Por João Sena
Tem 27 anos, nasceu em Barcelona, e esteve nos escalões de formação do clube catalão até aos 16 anos. Viajou depois para Inglaterra para jogar no Arsenal e Watford, mas as lesões comprometeram a sua carreira na Premier League. Regressou a Espanha para jogar no Betis e Barcelona e, no final de janeiro, foi emprestado ao Sporting. Termina contrato com os catalães em junho de 2023, e fica livre para seguir a vida à sua maneira.
Jogou sempre a defesa direito e é extremamente veloz como demonstrou, em abril de 2015, ao correr 40 metros em 4,42 segundos. Dito desta forma não impressiona, mas, na verdade, trata-se de uma marca incrível. No meeting em que Usain Bolt estabeleceu o recorde mundial nos 100 metros com 9,59 s, os primeiros 40 metros foram feitos em 4,64 s, ou seja, Bellerín foi 0,22 s mais rápido do que o jamaicano, e se tivessem corrido lado a lado o jogador teria chegado dois metros na frente do velocista!
Poucos dias depois de ter chegado a Alvalade, Héctor Bellerín apresentou-se aos adeptos através do TikTok com detalhes curiosos e, no mínimo, invulgares. «Falo com as minhas plantas, sou vegan, ouço rádio todas as manhãs, desligo o despertador oito vezes por dia e tenho um gato adotado com três patas», foi assim que conquistou os adeptos leoninos.
Existe a perceção de que a maioria dos jogadores de futebol raramente sai da bolha onde vive para falar de temas que não são específicos do seu desporto. Mas há exceções. Bellerín tem pensamento próprio e utiliza o seu mediatismo para chamar a atenção para causas sociais e ambientais. Nos últimos anos ganhou a reputação de ser dos jogadores mais conscientes e responsáveis. Sai da monotonia das frases feitas e dos discursos vazios para defender com frontalidade e ativismo a causa LGBTQIA+, não fica indiferente à guerra que se trava na Ucrânia, considera muitos dos seus colegas desumanos, gosta de escrever as suas reflexões e de ler à noite, mas só lê livros escritos por mulheres, e tem uma relação muito especial com as prendas que recebe. É, claramente, um leão da nova geração.
Quando perde um jogo tem dificuldade em dormir, faz meditação para enfrentar a pressão e segue uma dieta vegana. «Pus-me a ver coisas na Netflix sobre o tratamento dos animais e o dano que provocamos ao planeta ao comer tanta carne e decidi começar uma dieta à base de plantas», admitiu em 2019.
Do relvado à passerelle
A moda assume cada vez mais importância no universo dos jogadores de futebol, com as marcas a utilizarem os nomes mais sonantes para definir tendências. David Beckham foi o mais mediático e continua a ter seguidores como é o caso de Bellerín que, além do futebol, ainda tem tempo para se dedicar à sua outra paixão e com sucesso, já que foi considerado pela revista Vogue um dos futebolistas com mais estilo no mundo e apontado como um dos maiores influenciadores de moda em Espanha. De defesa direito ao gabinete dos estilistas foi um pequeno salto.
Os seus avós tinham uma pequena fábrica de roupa onde a mãe trabalhava como costureira, foi dessa forma que ganhou o gosto pela moda. Tornou-se modelo com um estilo muito próprio, foi responsável pela moda da equipa feminina do Arsenal e participou no desenho dos fatos sustentáveis que os gunners usaram antes da final da Taça de Inglaterra em 2022.
Fora do futebol, Bellerín apresenta um estilo sóbrio e atrevido, e na sua conta do Instagram e Facebook mostra as suas preferências. Publica vídeos e fotografias enquanto jogador, mas também a desfilar em produções da luxuosa marca Louis Vuitton, em Paris, nos desfiles da Fashion Week, no lançamento de uma coleção da H&M e da Adidas. Em novembro, foi distinguido pela revista GQ como ‘Homem do Ano 2022’. Quando o chamam à atenção de não se concentrar mais no futebol, a sua resposta é demolidora: «Treino muito, jogo bem e visto algo de moderno. Faço a minha vida da forma que quero e não como as pessoas acham que deveria viver», disse numa entrevista à revista Vogue.
Ao contrário de muitas estrelas do futebol que sobressaem pelo estilo extravagante, Bellerín deixou de comprar roupa nova há dois anos, agora só adquire roupa em segunda mão, adota looks menos comuns e diz-se orgulhoso por isso. Essa atitude fê-lo ganhar ainda mais fãs em Portugal, entre os quais está a atriz Rita Pereira, que publicou um curioso post «Queres ver que é agora que vou começar a ver futebol?». Com esta opção reconhece que o seu estilo mudou radicalmente. Além de comprar peças usadas, também adapta roupas que não usa para outras finalidades.
Nos últimos tempos aparece em público com a namorada Elena, que é assistente social e tatuadora. Foi ela quem desenhou todas as tatuagens que o jogador tem no corpo. Em Lisboa, o casal ainda não fez furor, até porque a namorada tem a vida profissional em Espanha.
Há vida além do futebol
Atento ao mundo que o rodeia, Bellerín é um homem de espírito livre, sem tabus e com uma mente mais consciente. A sustentabilidade passou a ser uma preocupação: «Gosto muito de roupas e antes passava grande parte da minha vida a fazer compras, mas essa fase acabou. A poluição e os danos que a indústria da moda provoca no planeta causaram um enorme conflito dentro de mim», confessou à revista GQ.
Ao contrário da esmagadora maioria dos jogadores, Bellerín também não faz questão de impressionar os fãs com poderosos e caríssimos automóveis. No seu dia a dia, conduz um smart elétrico e um Tesla, comprado em segunda mão, mas também anda de bicicleta e de metro.
Numa entrevista ao jornal catalão Ara, Bellerín assumiu uma posição crítica sobre o comportamento de alguns colegas. «Os jogadores de futebol são as pessoas que mais deviam pagar impostos. Venho de uma família em que durante meses passámos dificuldades para poder comer. Vi as dificuldades dos meu pais em fazer o dinheiro chegar ao fim do mês. Todos querem ganhar dinheiro para ter mais conforto, mas com o que eu ganho acho que tenho de pensar no meio ambiente, mas também na sociedade, onde há situações muito precárias». E continuou: «Os jogadores de futebol trabalham muito e fazem sacrifícios, mas têm uma posição muito privilegiada. Por essa razão, devíamos ser os primeiros a ajudar as pessoas que necessitam. Há, no entanto, colegas que pensam de forma diferente. Nós, jogadores de futebol, somos desumanos e vivemos numa bolha», reconheceu Bellerín.
O jogador do Sporting admitiu que tem «uma vida normal e uma situação financeira confortável», e lembrou: «Não precisamos de tanto quanto pensamos. As minhas prioridades não são baseadas em questões financeiras. O mais importante para mim é estar perto da minha família e dos amigos quando não estou a trabalhar».
Bellerín tem preparado um plano B para a sua vida. Formou-se em marketing, criou a sua própria agência e investiu no ramo imobiliário. Nos tempos livres é frequentador de galerias de arte.