por Luís Filipe Pereira
Economista, gestor
O Estado não consegue ter o mesmo desempenho porque a gestão pública dos hospitais é de natureza burocrática, contrária a um ambiente de meritocracia, sem motivação dos profissionais de saúde quer em termos de remuneração quer em termos de carreiras.
Uma das afirmações mais repetidas pelos partidos de extrema esquerda, quando se discute a reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que inclua a contratualização, pelo Estado à iniciativa privada, de serviços clínicos para a população (como no caso das PPP – Parcerias Público-Privadas) é a de que «o Estado está a dar dinheiro aos privados», em prejuízo do Estado e da população, entenda-se.
Ora a realidade tem demonstrado rigorosamente o contrário.
No caso das PPP’s, no setor da Saúde, o Estado contratualiza a iniciativa privada para gerir um Hospital público (ao qual a população continua a ter acesso gratuito) e assegurar a prestação de cuidados de saúde à população servida por esse Hospital.
Para a constituição de uma PPP, o Estado começa por efetuar um concurso público, pondo em concorrência as entidades privadas interessadas. Neste concurso, o Estado fixa um valor total, anual, e os concorrentes fazem propostas abaixo desse valor.
Este valor fixado pelo Estado – denominado de ‘comparador público’ – corresponde ao custo total anual que ele próprio hoje suporta para prestar os cuidados de saúde à população, nesse Hospital.
Deste modo, garante-se que, através da concorrência que se estabelece entre as entidades privadas, o valor total anual que será pago à entidade vencedora, seja significativamente mais baixo do que aquele que o Estado hoje suporta.
Ao mesmo tempo, nesse concurso público, o Estado impõe objetivos quanto à qualidade e à prestação dos cuidados de saúde a prestar à população (por exemplo, qualidade de atendimento, quantidade e tempos de realização de atos médicos – cirurgias e consultas – diminuição ou eliminação de listas de espera, etc..) e define e impõe, também, que a ‘carteira’ de serviços clínicos existentes na gestão pública seja a mesma na PPP.
O cumprimento dos objetivos impostos no contrato da PPP, e aceites pela entidade privada, é fiscalizado pelo Estado e, no caso de incumprimento, dá lugar a sanções financeiras que podem ser significativas, podendo mesmo, em casos extremos, levar à denúncia e anulação do contrato da PPP.
O estabelecimento de PPP’s permite, assim, prestar melhores cuidados de saúde à população, com custos mais baixos a suportar pelo Estado (ou seja, por todos os contribuintes).
Uma grande parte da população, sobretudo aquela menos informada e mais facilmente capturada por slogans do tipo ‘estão a dar dinheiro aos privados’ poderá interrogar-se como é possível que as entidades privadas sejam capazes de prestar melhores cuidados de saúde à população a custos mais baixos do que o Estado.
A resposta está na grande ineficiência da gestão pública dos Hospitais. Um exemplo conceptual poderá dar uma explicação mais direta e simples:
– Assumamos que um determinado hospital público, para prestar os serviços clínicos à população que serve, tem hoje um custo total anual de 100 M (milhões de euros).
– No concurso público, o Estado estabelece esse valor como ‘comparador público’ contra o qual as entidades privadas interessadas, em concorrência, apresentam as suas propostas.
– Suponhamos que uma entidade, de entre os vários concorrentes, porque tem uma eficiência de 20% superior à gestão pública (ou seja consegue prestar os mesmos cuidados de saúde com custos 20% mais baixos) vence o concurso público por 85 M.
Neste caso:
. O Estado tem uma poupança de 15M (100 M que hoje suporta menos 85M que pagará à entidade privada vencedora);
. A entidade privada tem um ganho de 5M (85M que recebe do Estado menos 80M de custos, porque consegue ter 20% de custos mais baixos dos que o Estado hoje suporta: 80M =20%x100M).
Este exemplo conceptual, que pode ser aplicado com números concretos de qualquer hospital, comprova que a contratualização de serviços pelas PPP’s, tem vantagens para o Estado e para a iniciativa privada.
Foi esta forma de contratualização (fixação do ‘comparador público’, concorrência entre as entidades privadas, adjudicação da melhor proposta) que foi aplicada nas PPP’s dos hospitais públicos de Loures, Cascais, Braga e Vila Franca de Xira.
Estas PPP’s geraram centenas de milhões de euros de poupança para o Estado, garantindo a qualidade dos serviços clínicos prestados, como é afirmado por entidades oficiais, credíveis, como o Tribunal de Contas, a UTAP – Unidade Técnica de Avaliação de Projetos, uma unidade do Ministério das Finanças, e a ERS – Entidade Reguladora da Saúde.
Destacando apenas um exemplo, vindo a público recentemente, o do Hospital Beatriz Ângelo, de Loures, a UTAP afirma que ao longo de 6 anos, esta PPP poupou ao Estado 167 M de euros. Em termos de atendimento e qualidade dos serviços prestados, este Hospital público, sob gestão privada, teve sempre um bom desempenho, surgindo sempre nos lugares cimeiros do ranking de qualidade elaborado pela ERS.
Os efeitos nocivos da extinção desta PPP são bem evidentes na comparação entre os anos de 2019 (sob gestão privada) e 2022 (sob gestão pública). Em 2022, realizaram-se menos cirurgias, menos consultas, e foram atendidas menos pessoas no serviço de urgência do que em 2019. No entanto, em 2019 o custo pago pelo Estado à iniciativa privada foi de 103 M de euros e o orçamento de 2022 (com gestão pública) foi de 130 M de euros, tendo-se, também degradado a qualidade de serviço à população, como os próprios autarcas da região, do PS, o reconhecem.
Face ao exposto, algumas interrogações podem ser colocadas, pelas pessoas mais distantes deste tema e mais sujeitas aos slogans como aquele atrás referido:
– Porque razão o Estado não consegue ter o mesmo desempenho que a iniciativa privada em termos de atendimento, de qualidade elevada e de custos mais baixos?
– As pessoas que trabalham no setor público, neste caso na área da saúde, têm menos qualidade e são menos capazes do que aquelas que trabalham no setor privado?
– Se as PPP’s têm estas vantagens comprovadas para a população e para o Estado porque razão foram, na prática, extintas pelos governos socialistas?
O Estado não consegue ter o mesmo desempenho porque a gestão pública dos hospitais é de natureza burocrática, contrária a um ambiente de meritocracia, sem motivação dos profissionais de saúde quer em termos de remuneração quer em termos de carreiras e com influência política (por exemplo, na nomeação partidária de quadros e dirigentes, cuja atuação é, por vezes, mais motivada por fidelidade politica do que orientada a resultados).
A esta realidade adiciona-se a falta de autonomia das equipas de gestão, tendo-se chegado ao extremo de ser necessária uma autorização do Ministério das Finanças para que um hospital possa contratar um número muito reduzido de profissionais, por vezes fundamentais para que um dado serviço possa funcionar, o que leva à impossibilidade de responsabilização das equipas de gestão por objetivos a atingir (quando existem!) o que foi agravado pelas cativações impostas pelo Ministério das Finanças a despesas aprovadas e autorizadas.
Contrastando com este panorama, a iniciativa privada tem uma gestão ágil, autónoma, procurando criar um espírito de equipa, com incentivos ligados a resultados, voltada para o cumprimento de objetivos impostos nos contratos das PPP’s, sabendo que o não cumprimento lhe acarreta fortes penalizações.
Quanto à segunda interrogação é óbvio que as pessoas que trabalham no setor público têm a mesma qualidade e são tão capazes como aquelas que trabalham no setor privado (existirão, naturalmente em ambos os setores, bons e maus profissionais). A diferença não está nas pessoas mas sim na forma como são geridas e motivadas. Aliás, os hospitais em PPP’s são um exemplo concreto desta afirmação.
Quando se inicia uma PPP o que a iniciativa privada traz é a sua capacidade de gestão (e alguns, poucos, quadros dirigentes). A esmagadora maioria dos profissionais de saúde nas PPP’s são aqueles que trabalhavam já sob gestão pública os quais, no entanto, sob a gestão privada, atingem resultados muito melhores em termos de atendimento, de qualidade, com custos mais baixos.
A questão de saber porque razão as PPP’s que prestam serviços clínicos à população estão em vias de extinção, tem a sua resposta nos preconceitos ideológicos da extrema esquerda e do PS, contrários aos interesses do país e da população. O primeiro-ministro, no Governo da ‘geringonça’, porque necessitava do apoio dos partidos da extrema esquerda para se manter no poder, fez aprovar um nova Lei de Bases da Saúde, ideológica, estatizante, que atribui ao setor privado um papel meramente residual, secundário, o que é um retrocesso em relação à anterior Lei de Bases que previa a articulação das iniciativas pública, privada e social, no Sistema de Saúde em Portugal.