Geopolítica e religião: limites e horizontes de Portugal!

Portugal e a Europa mediterrânicas estão decadentes por não assumirem a sua identidade religiosa e por dela não fazerem seu instrumento geopolítico. 

Por Virgílio Machado, Professor Adjunto ESGHT/UALG e Autor de Portugal Geopolítico

As polémicas sobre as Jornadas Mundiais da Juventude em Lisboa, tão acarinhadas pelo poder político português, merecem-nos reflexão. Afinal, temos uma cruz na bandeira. Uma constante histórica desde a fundação. Seremos um Estado confessional não expressamente assumido, ao contrário de países da Europa, como a Grécia, a Dinamarca ou o Reino Unido? Serão as Jornadas um instrumento geopolítico de afirmação de um novo papel da religião católica nas relações internacionais? Assumido diplomaticamente? A que Portugal dá cobertura?

A cruz, com 4 pontos cardeais, é um dos símbolos de orientação mais poderosos que a cultura cristã construiu. Com ela, permitiu-se uma visão cosmológica totalizante, de síntese, de convergência de medidas para um centro que inspirou visões expansionistas, de conquistas e impérios. Portugal projeta-as no seu estandarte: as fortalezas militares que rodeiam a cruz e dão-lhe segurança, pela força e a esfera armilar, pela inteligência, como ferramenta astronómica  proporcionadora de horizontes para o mundo. As Cruzadas nos séculos XII-XIII ajudaram Portugal a construir-se. Todavia, também fizeram do Mar Mediterrâneo um palco sangrento de lutas entre religiões monoteístas, problema geopolítico ainda hoje sem resolução.

Houve, todavia, um pecado original. O mesmo que alimenta um triste teatro atual entre o religioso e o político à volta das Jornadas. A visão patrimonialista, de atribuição de um caráter sagrado e divino à propriedade privada conciliou Igreja Católica e Estado na fundação política portuguesa que, na periferia atlântica e ocidental da Europa, prosperou e foi frutífera para ambas as partes: no localismo e paroquialismo, ainda hoje, tão portugueses, na ligação propriedade fundiária, incluindo eclesiástica, a um comércio de proximidade e diplomático e no apoio, pela Igreja, a uma burocracia especializada da monarquia.

A nova visão mundial de Portugal como alavanca da Cristandade para o mundo, com bênção papal, trouxe graves problemas: a Inquisição, as expulsões de judeus e mouros, a perda de independência para o império espanhol e associação da Igreja às elites e a um poder patrimonialista que não raro, foi fortemente devastado em momentos revolucionários no liberalismo ou implantação da República. 

A relação poder secular e religioso em Portugal deixou de ser inteligente a partir da fase áurea dos Descobrimentos, contribuindo para a decadência da sua ordem política. E ambiguidade. Num confessionalismo tácito não assumido. Criticável pela sua falta de transparência no regime democrático atual e ausência de uma estratégia diplomática.

O religioso, área cultural de resistência, mais do que expansão, é inerente à Humanidade pela necessidade de uma compensação espiritual superior aos limites terrenos. Um parâmetro estratégico, de constância, alma, esperança e crença numa condição melhor. Pode conciliar-se com a dignidade da pessoa humana, fundamento democrático. Esta estabilidade interessa à geopolítica. As visões de rede, ecumenismo, diálogo entre religiões devem ser estimuladas. Também por Portugal. Mas com outra estratégia. Apoiada na História. E atualidade. e

 

O Vaticano é o que melhor projeta internacionalmente as ligações Estado-Religião pela força diplomática. O Papa é um chefe de Estado. Os desenvolvimentos das suas relações internacionais em países onde Portugal tem relações históricas, culturais e económicas em África, Ásia, América ou Mediterrâneo merecem-nos acompanhamento e atenção. Como bons alunos poderemos ser excelentes professores. As Jornadas Mundiais merecem esse referencial estratégico. 

A analogia com  vizinhos será profícua. Espanha apoiou a criação do Centro Internacional para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural em 2012, iniciativa da Arábia Saudita. Terá Espanha maior legado árabe? Veja-se, também, o papel de Marrocos, país, como nós, geograficamente periférico na orla do atlântico e mediterrâneo que faz da sua identidade religiosa, assumida confessionalmente, um poder intangível, de abertura e tolerância, na base de uma diplomacia ao serviço de um islamismo moderado. Teremos algo a aprender com Marrocos?

 

Os limites do paroquialismo político português nas Jornadas, trocando identidade por retorno financeiro e descontextualizando o evento numa estratégia cultural e diplomática acompanham uma triste conclusão. Portugal e  a Europa mediterrânicas estão decadentes por não assumirem a sua identidade religiosa. Dela não fazerem seu instrumento geopolítico. E, pela timidez nas suas políticas de cultura e educação religiosas,  abrirem caminho ao populismo anti-imigração, securitismo terrorista e desconstrução cultural massivas. Que as Jornadas deem aos jovens mundiais novos horizontes.