Um ano de guerra na Ucrânia. O mundo na expectativa

Nos últimos doze meses, o mundo ficou mais dividido, mas também se estreitaram alianças. Que mudanças teve o primeiro ano da guerra no resto do mundo? 

“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.” A expressão é comummente atribuída ao revolucionário comunista russo Vladimir Lenine. Se a frase é da sua autoria ou não permanece um mistério, mas a ideia que introduz não podia descrever melhor o panorama internacional depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. 

Neste ano que decorreu desde que o Presidente russo Vladimir Putin colocou em marcha aquilo que apelidou de uma “operação militar especial”, o mundo mudou profundamente, em alguns aspetos, talvez, de forma irreversível. A guerra que se iniciou a 24 de fevereiro de 2022 deu um novo propósito à aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos, apanhou de sobressalto a economia mundial, forçou uma nova realidade energética na Europa e desencadeou o maior e mais rápido processo de deslocação de pessoas alguma vez visto nas últimas décadas. Além de contribuir ainda como uma espécie de caso de estudo que moldará outros conflitos que nos venham bater à porta no futuro.

A revitalização da NATO Quando Putin partiu para esta invasão, convencido de que não ia haver grande resistência do lado ucraniano, no seu argumentário pairava a ideia de que a expansão da NATO para a Europa de Leste era uma ameaça ao espaço pós-soviético. Certo é que esse medo rapidamente se transformou numa profecia prestes a realizar-se.

Como resultado do ataque à soberania da Ucrânia, a Aliança Atlântica está em vias de abrir a porta a dois novos membros. A Finlândia e a Suécia, considerados “países tampão” entre o Ocidente e a Rússia, resistiram até aqui participar em alianças militares, receando antagonizar o país vizinho. Mas a invasão da Ucrânia expôs a vulnerabilidade destes dois países às pretensões do Kremlin, dada a proximidade geográfica com a Rússia.

A invasão da Ucrânia não só estimulou a expansão da Aliança Atlântica, como também levou a novos investimentos entre os países membros, sobretudo da Alemanha, que aumentou drasticamente o seu investimento em Defesa. Na sequência da invasão, o chanceler alemão Olaf Scholz anunciou um fundo de 100 mil milhões de euros para modernizar o exército alemão.

Além disso, todos os membros da NATO estão concentrados em atingir nos próximos anos o limiar de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional dedicado anualmente às despesas militares, respeitando assim os compromissos assumidos face à aliança militar. E a verdade é que a Ucrânia continua extremamente dependente do armamento ocidental.

Uma europa mais unida Tal como a NATO, a União Europeia também tem atraído o interesse de potenciais novos membros. A Ucrânia solicitou a adesão poucos dias após a invasão, seguida pela Geórgia e Moldávia. Apesar de alguma fragmentação quanto à questão energética e ao envio de equipamento militar e armamento para Kiev, a UE tem-se mostrado unida na resposta à guerra. Até agora, o bloco dos 27 já aprovou dez pacotes de sanções à Rússia. O último foi fechado precisamente no dia em que se assinalou um ano desde a invasão.

A UE também já concedeu à Ucrânia o estatuto de “país candidato”, apesar de haver muitas dúvidas quanto à viabilidade da sua integração no espaço comunitário. 

Ainda assim, a guerra na Ucrânia deu um novo propósito à unidade europeia, levando até países como a Polónia, que já esteve na mira de Bruxelas por violações do Estado de direito, a emergir como protagonista da solidariedade da UE contra a agressão russa, sendo que já disponibilizou mais de 5 mil milhões de euros em ajudas à Ucrânia.

Um terceiro interlocutor Ainda que a Ucrânia continue a ser o foco de preocupação global, com os impactos da guerra na geoestratégia mundial, os líderes mundiais já começam a prestar mais atenção à China e às potenciais lições que Pequim pode retirar de Moscovo.

“Qualquer tentativa da China em mudar o status quo [em relação a Taiwan] pelo uso da força militar terá consequências graves para o Leste Asiático, mas também terá consequências para os aliados da NATO e para a segurança global”, alertou recentemente o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.

Doze meses depois, parece evidente que a guerra veio estreitar a aliança estratégica da Rússia com a China e dar novo ênfase ao fim da ordem mundial pós Guerra Fria. E não terá sido um acaso que a China tenha sido o destino da última viagem internacional de Putin antes de eclodir a guerra.

Ainda que o regime chinês não dê cobertura ao Ocidente na resposta contra a Rússia, nomeadamente nas Nações Unidas, Pequim continua a apelar à paz e a não enviar armamento a Moscovo.

Aliás, nestes dias em que se assinala um ano desde a invasão da Ucrânia, a China apresentou um plano de paz em 12 pontos em que propõe medidas para garantir a segurança das instalações nucleares, o estabelecimento de corredores humanitários para a evacuação de civis e ações para garantir a exportação de cereais, depois de interrupções no fornecimento terem causado o aumento dos preços a nível mundial.

Contudo, o Governo chinês continua a acusar o Ocidente de provocar o conflito, criticando o alargamento da NATO e apelando ao fim da “mentalidade da Guerra Fria”, tendo como alvo implícito a política externa dos Estados Unidos.

Outro dos fantasmas da Guerra Fria é a retórica nuclear, que tem gerado a apreensão com uma escalada do conflito. Esses receios foram exacerbados quando a Rússia suspendeu a sua participação no tratado de armamento nuclear New START, numa tentativa de pressionar o Ocidente a deixar cair o apoio militar à Ucrânia. Para já é incerto qual o risco de uma nova corrida ao nuclear. Certo é que, até lá, a guerra continua.