A doença de Hodgkin, também conhecida por linfoma de Hodgkin provoca, antes da morte, febres altíssimas, sonos terríveis marcados por pesadelos contínuos e confusos. É provocada por um tipo específico de glóbulos brancos chamados linfócitos. Aos 64 anos, Howard Carter, o homem que ficara famoso por descobrir o túmulo de Tutankhamon, estava fechado na sua casa de Albert Court, apartamento 49, não longe de Royal Albert Hall, em Londres. Mal conseguia respirar. Fisicamente era um destroço: de uma magreza extrema, atacado por uma fadiga que o derrotava em absoluto, com o fígado e o baço inchados de tal forma que eram bem visíveis à superfície da pele, limitou-se a esperar por uma morte misericordiosa que chegou pela manhã do dia 2 de Março de 1939. Foi enterrado três dias mais tarde no cemitério de Putney. Sem grande piedade e com a habitual pesporrência dos tabloides ingleses não tardou a transformar-se na mais célebre vítima da Maldição dos Faraós que, segundo a historieta, vinha assassinando um a um todos os arqueólogos que tinham cometido a desfaçatez de violarem os túmulos dos antigos senhores do Egipto. Em Novembro de 1922, Howard Carter tinha desvendado um dos segredos mais fantásticos da Humanidade: a sala funerária intacta do faraó da 18ª dinastia, Tutankhamon, o mais bem preservado de todos os mistérios que o Vale dos Reis tinha para dar ao mundo. Em Março de 1939, em Putney Vale, apenas seis pessoas estiveram presentes no momento irónico em que o seu cadáver desceu à terra. Ele que tinha tirado tantos cadáveres das profundezas da sua tranquilidade eterna.
Há muito tempo que Carter abandonara as luzes da ribalta para se dedicar a uma vida solitária. Logo após os trabalhos finais de escavação realizados no túmulo de Tutankhamon em 1932, o seu interesse pela personagem como que se desvaneceu. Continuou a manter casa e a viver nela durante vários meses por ano em Luxor, mas ao contrário do que acontecera nos dez anos anteriores, as suas fugas para Londres eram cada vez mais demoradas. Finalmente, excetuando meia-dúzia de amigos, provavelmente os que assistiram ao seu enterro, fechou-se numa existência monástica. E não houve quem não viesse a lume dizer que ele já tinha sido feito prisioneiro da tremenda maldição. Uma maldição que tinha início na ausência de vontade de viver.
Uma lenda macabra
A lenda da Maldição dos Faraós teve início precisamente aquando da exploração de Howard Carter. A verdade é que era prática dos antigos egípcios protegerem os túmulos dos seus reis com frases ameaçadoras colocadas logo à entrada das criptas tais como esta que recebia os que se atreviam a incomodar o sossego eterno do faraó Khentika Ikhekhi, da 6ª Dinastia: «Todo o homem impuro que viole o meu túmulo será julgado e condenado, terminarei com a sua vida, partirei o seu pescoço como se fosse o pescoço de um simples pássaro, atirarei sobre os seus vindouros todo o medo que puder invocar».
Aceitemos que estes avisos não eram propriamente dirigidos aos futuros arqueólogos, na altura pouco adivinháveis, tantos milhares de anos antes, e procuravam, isso sim, afastar os magarefes que se dedicavam a pilhar os mausoléus, seguros das incomparáveis fortunas com que os faraós se faziam acompanhar no momento de serem acomodados nas suas últimas moradas. Por muito ameaçadoras que fossem as ditas maldições – o bom exemplo de uma delas foi encontrado no túmulo de Ankhtifi, da 10ª Dinastia, «Quem aqui entrar será atacado por uma moléstia tão forte e tão violenta que jamais terá cura» – a bandidagem nunca as levou a sério. De tal ordem que foi preciso chegarmos ao ano de 1922 e a Howard Carter para que fosse descoberto um jazigo intocado e ainda não pilhado pelos salteadores do deserto que desrespeitavam por completo a tranquilidade dos seus velhos soberanos. A forma como o túmulo de Tutankhamon foi descoberto sem um único traço de jamais ter sido violado encantou o mundo exatamente por isso. E fez de Carter o exemplo de um arqueólogo sem igual e de George Edward Stanhope Molyneux Herbert, mais conhecido por Lord Carnarvon, o financiador das explorações de Howard, um filantropo digno do maior respeito na corte de Londres.
Mas as coisas não corriam pelo melhor entre ambos no início desse ano mágico de 1922. Carnarvon tinha conseguido, à custa de um investimento bastante razoável, a concessão da exploração do vale dos Reis em 1914, entregando a responsabilidade dos trabalhos de escavação a Howard Carter e ao fim de oito anos desesperava por nada de jeito ter vindo à superfície. Decidiu que iria transferir a sua concessão para outro qualquer que estivesse disposto a minimizar-lhe os prejuízos quando Howard teimou com ele, quase em súplica, que mantivesse a exploração em aberto pelo menos por mais um ano já que sentia estar à beira de atingir o objetivo a que se propusera de descobrir a tumba do faraó Tutankhamon. Como justificação para a demora nas escavações recordou-lhe que durante a I Grande Guerra fora obrigado pelo Governo Britânico a desdobrar-se em funções diplomáticas no Cairo e à transmissão e tradução de mensagens entre os dois governos. Carnarvon tinha um carinho especial por Carter apesar deste não ser um bom exemplo de um alegre camarada, demasiado ensimesmado e com tendências fortes para passar o maior tempo que pudesse em completa solidão. E, assim sendo, decidiu esperar mais um ano e em boa hora o fez. No dia 24 de Novembro de 1922, umas semanas após um dos distribuidores de água pelos exploradores ter tropeçado ao acaso numa saliência que veio a descobrir-se ser a ponta de um degrau e da respetiva escadaria, Lord Carnarvon e a sua irmã Lady Evelyn Herbert estavam precisamente atrás de Carter quando este, por uma pequena frincha, conseguiu enfiar a cabeça no túmulo intacto de Tutankhamon. Nervoso de roer unhas até ao sabugo e excitado como nunca, Carnavon insistia com Howard: «Can you see anything? Come on! Can you see anything?» Até ter recebido a resposta que ficou registada nas frases lendárias da história dos homens: «Yes! I see wonders!».
O acumular das mortes
Um arqueólogo bem mais moderno do que Howard Carter, de nome Zahi Abass Hawass e nascido numa pequena aldeia junto a Damietta, no Egipto, entra agora nesta crónica por ter dedicado uma série de artigos mais ou menos sérios, depende dos pontos de vista, sobre A Maldição dos Faraós. Uma das suas obras iniciava-se assim, um bocado ao estilo Rider’s Digest: «Cursed be those who disturb the rest of a Pharaoh. They that shall break the seal of this tomb shall meet death by a disease that no doctor can diagnose». Já vimos que no caso de Carter a frase carece de exatidão pois o seu atestado de óbito é bem claro quanto às razões da sua travessia para o outro mundo que todos esperamos que seja melhor do que este, embora infelizmente ninguém tenha de lá regressado para confirmá-lo. Não se sabe grande coisa sobre como a maldição terá ou não destruído a vida dos profanadores de túmulos que viveram há milhares de anos mas há quem diga que a primeira grande vítima desta hipotética danação terá sido um viajante polaco que depois de ter visitado Alexandria em meados de 1600 terá decidido embarcar de regresso à Europa carregando duas múmias. Segundo um autor ligeiramente posterior, Louis Penicher, que tal como Hawass se deixou fascinar pela dita maldição, o polaco pilha-múmias terá começado a ser atacado por visões em pleno Mediterrâneo, convencendo-se de que as múmias falavam com ele e acabou por se afogar num mar de tormentos e na água salgada depois de a sua embarcação ter sido destruída por uma violenta tempestade.
Não foi preciso muito tempo para que aos arqueólogos que fossavam nas areias das margens do Nilo em buscas de relíquias com a fúria com que Madame Curie fossou na pechblenda na ansiedade do rádio começassem a ser catalogados por todos os que seguiam o decorrer das suas vidas na espera insana de um final macabro que pudesse ser atribuído à vingança dos faraós cujo sossego passou a ser incomodado com uma voracidade até então nunca vista. Só por sua conta, Zahi Hawass listou uns poucos como o do jovem arqueólogo que se dedicou à escavação das ruínas de Kom Abu Billo: depois de se ter apropriado de diversos artefactos que levou para sua casa deu com o primo, que trabalhava com ele, morto na cama no dia seguinte; nos dias posteriores morreram, à vez, o tio e a tia. O patife escapou vá lá saber-se porquê mas, uns anos mais tarde, noutra escavação perto das pirâmides de Gizé deu com uma inscrição muito pouco animadora: «Todos aqueles que entrarem neste túmulo, se apropriarem de algo que faz parte dele ou destruírem qualquer pedaço serão atacados por todos os crocodilos do rio e por todas as serpentes da terra. E de cada vez que mergulharem no Nilo terão de defrontar os hipopótamos e quando saírem das suas águas encontrarão escorpiões». Ora eis algo de francamente desagradável seja para quem for, ainda por cima para um miserável pilha-tombas sem um pingo de escrúpulos.
As vítimas de Tutankhamon
A expressão Maldição dos Faraós parece ter surgido assim mesmo grafada pela primeira vez no livro intitulado The Mummy!: Or a Tale of the Twenty-Second Century da autoria de Jane C. Loudon publicado em 1827. Alguns anos depois, Louisa May Alcott, autora da famosa novela Little Women, que herdara uma forte tendência espiritualista por parte de ambos os pais, escreveu um livro que trazia a sentença no título: Lost in a Pyramid, or The Mummy’s Curse. Publicado em 1869 encantou muitos daqueles que iam seguindo à distância a incansável escavação dos arqueólogos dos subterrâneos do Egipto, algo que se tornou numa espécie de acontecimento universal à medida que íamos sabendo cada vez mais sobre aquela civilização impressionante e inigualável.
Quanto à qualidade das obras escritas – entretanto foram publicados mais dois livros com grande saída, The Mummy’s Soul (anónimo, 1862) e After Three Thousand Years (Jane G. Austin, 1868) – não iam para além de uma desconfortável banalidade com as múmias a ganharem vida e a vingarem-se dos responsáveis pelo seu regresso à luz e outras patacoadas do género que podem muito bem ter agradado aos leitores de livros de terror de pacotilha mas que nada tinham de histórico ou científico.
A Maldição dos Faraós chegaria aos jornais com foros de sensação. James Henry Breasted, que prosseguiu o trabalho de Howard Carter depois deste se ter recolhido em sua casa, em Inglaterra, alimentou muitas dessas barbaridades, sobretudo quando resolveu contar a um jornalista que, certa vez, ao visitar Carter, a pouco metros da entrada para o jardim, ouviu um grito aflitivo de dor e viu aparecer-lhe uma cobra igual à que encimava a múmia de Tutankhamon. Ora tubérculos! Se era lá tolice que se fosse pôr nas mãos de um pasquineiro. A coisa deu brado, naturalmente, por muito ridícula que fosse. E, logo a seguir, até a morte do canário de Howard mereceu referência na imprensa de escândalos. O homem estava gravemente doente, o passarinho nem na gaiola tinha escapado, andaria o espetro do Faraó-Menino à solta pelas charnecas na Grã-Bretanha? Sir Arthur Conan Doyle, o pai de Sherlock Holmes também não perdeu a oportunidade de meter a sua colherada no assunto: a morte de Lord Carnarvon, no dia 19 de Março de 1923, provocada por uma infeção feita por um corte de lâmina de barba sobre a picada de um mosquito, fez disparar a sua imaginação em todos os sentidos – Carnarvon morreu, segundo o autor, por via da exposição exagerada a fungos tóxicos libertados aquando da abertura do mausoléu, fungos esses que tinham estado adormecidos durante milhares de anos e que se tinham libertado para ameaçar a Humanidade. Uma tremenda erisipela instalara-se no corpo do infeliz desfazendo-o por completo. Para que tudo batesse certo com a teoria, mais dois indivíduos que tinham entrado no túmulo dado a conhecer por Carter, George Jay Gould, A. C. Mace e Richard Bethell, todos eles membros da fantástica expedição foram levados pela Senhora da Gadanha nos meses que se seguiram. O faraó perseguia os que o tinham incomodado de uma forma infame. E os especuladores deliravam com isso.