Por José Maria Matias, Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
A terceira República irá comemorar o seu 50.º aniversário no próximo ano de 2024. Olhando para trás, quase que é possível estabelecer 3 ciclos políticos desses últimos 50 anos. Um primeiro que foi de 1974 até 1979, marcado pelo processo de instabilidade na consolidação da Democracia, a ameaça do comunismo e a organização dos partidos que seriam essenciais para o sistema político.
Um segundo ciclo político que começa em 1979 com a eleição da Aliança Democrática, que conseguiu a primeira maioria absoluta em Portugal. Nos anos 80 havia um desejo de entrar no projeto europeu, de reformar o país e de entrar em convergência com o Ocidente. PSD e PS eram profundamente europeístas e este seria o ponto fundamental de consenso do regime. Até porque seria aqui que estaria a sobrevivência da Democracia, afastando definitivamente o fantasma da sovietização. O ciclo iniciado em 1979 dura até 1995. Seria neste período que se formariam os alicerces do sistema político, a afirmação definitiva de um bipartidarismo entre PS e PSD. Sendo que, de 1987 a 1995, teríamos o período de maior convergência europeia e de desenvolvimento do país em toda a história democrática.
O tempo de Cavaco termina em 1995, dando espaço ao PS de Guterres. Desde 1995 até hoje, vivemos o terceiro ciclo político, onde o PS governou 20 dos últimos 27 anos, condicionou a governação do centro-direita, se contarmos que em 2011, o PS entrega um país falido ao PSD e com um programa de resgate para cumprir. Em 27 anos as instituições degradaram-se, a estagnação perpetuou-se, o socialismo ocupou o aparelho de Estado e hoje torna-se muito ténue a fronteira entre o Estado e o PS. Um milhão de portugueses saíram de Portugal nos últimos 10 anos, a classe média praticamente deixou de existir, os números da pobreza dispararam, as taxas de abstenção nunca estiveram tão altas e a corrupção minou a confiança nas instituições. Nunca houve um fosso tão grande entre o eleito e o eleitor. Em parte, a degradação política começa pela quebra moral do Regime com o caso Casa Pia e com a quebra económica que leva ao resgate financeiro da troika. O terceiro ciclo político deveria ter terminado em 2011, mas ainda hoje não acabou. Os governos são incapazes de colocar o país a crescer e a oposição não apresenta alternativas sólidas que possam justificar a confiança do voto. Haverá várias teses para isto, parece-me, no entanto, de salientar as mundividências muito parecidas de PS e PSD. São partidos muito semelhantes ideologicamente e que com o passar do tempo as suas poucas diferenças tornaram-se mais ténues. O que é que Montenegro faria hoje de diferente em relação a António Costa? O país sabe?
Talvez essas parecenças sejam explicadas por Portugal ter vivido muito tempo num regime de partido único e, se tal acabou em 1974, as suas reminiscências podem ter perdurado. Num país pouco habituado a discordar, que veio de um passado com nenhuma cultura democrática e que vive um presente em que impera o culto da apatia. Só isso explica que tenhamos estado tanto tempo num sistema político em que a alternativa ao socialismo democrático fosse a social-democracia.
Os indicadores mais recentes mostram que está em curso uma profunda alteração do sistema político. Se é verdade que as tendências mundiais são determinantes, é também verdade que a nossa história democrática será fundamental para compreender tudo isto. Temos um quarto ciclo político à porta que entra com um atraso de mais de 10 anos e que simultaneamente irá refletir as preocupações transversais das sociedades europeias dos dias de hoje.