Sempre quis ser ator? Sim, desde sempre que tive essa paixão. Comecei com o meu pai no teatro amador, muito cedo. Desde pequenino que frequentava o teatro e subi ao palco pela primeira vez com cinco anos. O meu pai é ator amador e acho que sempre tive essa paixão. Não só pelo palco, mas também por contar histórias e, acima de tudo, por viver personagens diferentes. A paixão começou com o meu pai e, depois, fui fazendo pequenas coisas até ir para a escola de teatro e querer formar-me como ator.
Houve algum momento-chave em que tenha sentido: ‘Tenho a certeza que é isto’? O teatro esteve sempre presente, para mim sempre foi sentido de forma diferente, como eu estava a explicar. Mas eu também jogava futebol, no Benfica. Entretanto tive uma lesão e, nesse momento, foi como se eu sentisse que não tinha de escolher, que tinha sido uma escolha natural. Nessa altura eu já estava a fazer muito teatro, na academia de Santo Amaro, que é uma casa de teatro amador. Quando entrei para a escola de teatro deixou de ser uma paixão e passou a ser uma profissão a 100%, que eu trabalho todos os dias para ser cada vez melhor e mais preparado para as personagens. É esse o momento em que eu percebo que estou no sítio certo.
Qual o desfasamento que há entre as expectativas que tinha quando sonhava ser ator e a realidade com que se depara agora? Acho que há muitas coisas que mudam, a nossa perspetiva enquanto somos fãs ou admiradores do trabalho de alguém e quando passamos a ser nós as pessoas que são admiradas ou que de alguma forma fazem companhia a quem nos vê, principalmente em televisão e cinema. Comecei a perceber que há uma responsabilidade muito grande do nosso lado, o amor de defender com unhas e dentes a profissão e a importância que nós temos numa sociedade, no âmbito da cultura. Percebo cada vez melhor a importância não só de entreter, mas também de abrir horizontes e quebrar alguns preconceitos. Penso que a maior diferença é o sentimento mais profundo e com maior conhecimento do que é a nossa profissão, é mais por aí.
O facto de namorar com uma pessoa do mesmo meio incentivou-o a continuar a apostar na representação? Acho que seria sempre ator porque mesmo antes de namorar com a Bárbara [Branco] já era ator. Namorar com uma atriz não faz com que eu invista mais. Invisto por mim, pela minha profissão e pelo amor que eu tenho ao teatro e à representação. Quando amamos o que fazemos queremos ser melhores por nós e deixar uma marca na sociedade. É isso que eu quero: deixar uma marca como ator, ser uma referência.
Fez parte do elenco da novela brasileira ‘Salva-se Quem Puder’. Como foi deixar Portugal? No início foi difícil, claro, é uma mudança muito grande e um país muito diferente. Foi a minha primeira experiência internacional, mais recentemente tenho a Netflix e o Almodôvar, em Espanha. Foi mudar de país com a bagagem às costas, durante quase um ano. A vontade era muita, eu adorei estar lá, fui muito bem tratado e muito feliz, aprendi muito. A Globo é a maior produtora mundial de telenovelas, é uma referência e poder trabalhar com os melhores faz-nos crescer. Apesar de deixar o meu país, a família e os amigos, estarmos do outro lado do mundo completamente sozinhos… há muitas portas que se abrem, o nosso foco é trabalhar e foi o sucesso que foi, os prémios também falam por si. Foi mesmo uma experiência incrível.
Quais as maiores diferenças a nível profissional? Na minha opinião somos muito parecidos na forma de representar. Há um lado latino que também partilhamos com Espanha: acho que são os países que têm essa garra – no teatro, no cinema e na televisão, são pontos que se unem. Há diferenças normais na própria estrutura da empresa, no facto de ser uma empresa tão grande, tal como o país também é grande e faz com que tenham de ter uma estrutura maior. Mas, de resto, acho que me senti muito mais em casa do que pensava que ia sentir. Claro que a língua, apesar de ser a mesma, há um sotaque que é diferente e o trabalho da minha personagem também teve de ser nesse sentido, mas acho que depois da fase de adaptação, encontrei mais fatores em comum, tanto nos atores, como na forma de cuidarmos uns dos outros e de ensaiar. Lá simplesmente trabalhamos para muitos milhões todas as noites.
Sentiu que essa quantidade de pessoas foi uma pressão extra? Não temos essa noção enquanto estamos a gravar, só depois de estrear. O povo brasileiro vive muito aquelas histórias e acredita muito naqueles amores e desamores e isso é uma magia muito bonita, mas é o que nós também sentimos cá em Portugal – e era o que eu sentia quando era mais pequeno e via novelas. E, como a minha personagem também era importante na trama, eu senti muito esse carinho na rua, especialmente quando estreou. Apesar de sermos a segunda novela da noite, tínhamos 80 milhões de pessoas a ver-nos. Quando eu tive noção da dimensão que tinha, meteu algum respeito. Mas, ao mesmo tempo, é um orgulho.
Por também estar a representar Portugal? Eu acho que inconscientemente isso acontece. Sabia também que não era o primeiro ator português a ir para lá, já tivemos lá muito bons atores e atrizes, inclusive a Marina Mota, que é uma pessoa que eu idolatro e tenho como amiga próxima. Mas há essa responsabilidade de representarmos o nosso país, sim, principalmente sendo o único ator português naquela novela, sendo provavelmente o mais novo ator português que foi para lá e, por isso, perguntei-me se teria a capacidade de estar à altura do que eles faziam. Mas, depois, quando começamos a trabalhar e a ver o resultado das cenas e o público a gostar, sendo que eu também sentia que os meus colegas, os meus realizadores e diretores gostavam do meu trabalho… sentimos que estamos bem, a fazer o caminho certo e que é para continuar, nunca baixar os braços e fazer sempre melhor.
O que é que acha que se deve trazer da forma como se trabalha a representação no Brasil e que se deve levar de Portugal para o Brasil? Honestamente não sei, como disse, encontrei muitos mais pontos em comum do que imaginava. Nós próprios já estamos a fazer esse caminho, a ganhar muitos prémios internacionais. A ficção está cada vez melhor. Acho que já estamos a aprender naturalmente uns com os outros, o mundo está tão aberto digitalmente que chegamos ao outro lado do mundo com um clique.
Na minissérie ‘O Crime do Padre Amaro’ contracena com a sua namorada. Quando a Bárbara foi escolhida para ser Amélia, o realizador não sabia que eram namorados. Acha que se soubesse, poderia ter afetado o processo de escolha? Diria que não. Muita gente pode pensar que fomos chamados por sermos namorados e isso só tira mérito ao nosso trabalho e destrói um bocadinho o imaginário. Quando mencionei essa curiosidade foi no sentido de se perceber que foi uma escolha natural. Eu já estava escolhido para o papel e a Bárbara foi escolhida através de um processo de casting, por isso a minha ideia ao dizê-lo foi explicar que não fomos escolhidos por sermos um casal e para ser mais fácil para cenas mais íntimas ou menos íntimas. Daí vem outra questão que é: não é por sermos namorados que é mais fácil ou mais difícil trabalharmos juntos. Simplesmente, em cena, há pessoas que têm química. E, às vezes, isso é uma questão de estilos de representação, da forma como vêm a profissão ou até das personagens. Quando eu expliquei isso, acho que muita gente não percebeu bem o que eu queria dizer e eu sinto que o nosso trabalho é quase desvalorizado, como se por sermos namorados fosse fácil de fazer aquilo.
Quase como se não estivessem a representar? Sim, e quase como se não tivéssemos mérito por estar ali. Nós estamos ali porque fomos escolhidos para representar aquele papel e nas cenas de intimidade, ao contrário do que muita gente pensa, não nos estão a ver a nós. Nós estamos em personagem, uma personagem que é o Padre, uma que é a Amélia e temos de explorar como é que eles se relacionam, porquê, e de que forma. Esse é o trabalho do ator: servir a personagem no que ela precisa, nos seus medos, inseguranças e desejos e não servirmo-nos dela e, já que somos namorados, fazer uma coisa nossa. Para mim, não é assim que se deve trabalhar.
Mas acha que a vossa relação pessoal influencia o trabalho? Sim, influencia. A relação pessoal que eu e a Bárbara temos influencia a qualidade do nosso trabalho, assim como a minha relação com o José Raposo ou com a Marina Mota influencia quando trabalho com eles. Ali somos profissionais. Nós temos formas muito parecidas de trabalhar, até porque temos a mesma escola e as mesmas ambições, a mesma maneira de ver a profissão, queremos sempre melhorar o que fazemos. Ao mesmo tempo, temos formas bastante diferentes de estar em set, somos atores diferentes. E a relação que eu já tinha com a Bárbara antes de namorar com ela, essa química em palco que foi o que nos trouxe alguns prémios em teatro quando ainda nem namorávamos, acho que isso se nota em cena. As pessoas associam essa química ao facto de sermos namorados mas já existia antes. Acho que é redutor quando dizem que trabalhamos bem juntos apenas porque somos namorados, mas também já estava à espera que assim fosse, é sinal que acreditam no que estão a ver e que o nosso trabalho está bem feito.
Que características é que o Padre Amaro e o José Condessa têm em comum? Acho que é das personagens que menos tem em comum comigo. O Padre Amaro tem uma velocidade de fala, de andar e de tudo completamente diferentes da minha. As únicas coisas que podem ser um pouco parecidas são a questão da sobrevivência e da ambição, apesar do caso do Padre Amaro ser completamente diferente do meu, Zé Condessa. Perante as adversidades tentar procurar um caminho que seja bom. Mas, para mim, eu tento usar isso num sentido mais humano no dia-a-dia e o Padre Amaro fá-lo por uma questão de sobrevivência. Por isso, até é das personagens que fiz que se encontra mais longe daquilo que eu sou. As pessoas pensam no ‘Crime do Padre Amaro’ num sentido apenas erótico e sexual e acho que é muito mais do que isso, é um homem que necessita de sobreviver, que nunca quis ser padre e que se apaixonou. Mas no momento em que ele se apercebe que está a começar a ficar encurralado, digamos assim, há um ato de sobrevivência que mostra a pessoa que realmente é: mais agressiva, mais desprendida e mais solitária. Por isso, acho que não temos quase nada em comum.
E qual tem sido o feedback até agora em relação à série? Tem sido muito bom, os números têm sido muito bons. Fico muito feliz com esse feedback, até porque são vários tipos de público: desde um público mais intelectual que adora ler a obra do Eça, como era o meu caso, e com quem eu consigo às vezes até falar sobre outras obras e discutir alguns pontos de vista, às pessoas que simplesmente chegaram à série por gostarem do meu trabalho, ou do trabalho da Bárbara ou de outro ator e, depois, ficam presas à história. É muito bonito voltarmos a pegar nos nossos clássicos, que têm uma qualidade extraordinária e mundial. É um ponto de vista diferente de uma história escrita pelo Eça e tem sido muito positivo.
E como surgiu o convite para participar em ‘Rabo de Peixe’, a segunda série portuguesa da Netflix? Não foi um convite, foi uma fase de castings muito grande, durante muitos meses. Éramos muitos atores e isso também aumentou um bocadinho o stress e a necessidade de ir melhorando, como eu estava a dizer que tento sempre fazer. Desde o primeiro dia que me apaixonei pela história e pela personagem. É das personagens mais bem escritas que eu já tive. Agora que já filmamos tudo e que já estamos mais próximos da data de estreia da série, eu consigo olhar para trás e dizer que foi um dos projetos mais bonitos e especiais. Por vários motivos, não só pela história em si e pelo que ela vai trazer, que eu acho que é mesmo muito bom para nós enquanto espectadores e portugueses, mas também porque vai levar o nome da ficção portuguesa pela porta grande, pelo que eu já vi das cenas.
A série vai interessar essencialmente a um público português ou outra pessoa que veja o trailer vai também ficar curiosa? Eu acho que é uma série que vai competir com outras séries grandes, e é essa a ambição desde o primeiro dia. Tenho mesmo a certeza que isto é uma série mundial, não só pela linguagem, mas também pela fotografia, a forma como é filmado, a velocidade das cenas, a edição… Tudo isso é uma linguagem universal que está a existir cada vez mais nas plataformas digitais e nós, portugueses, temos a capacidade de ir atrás. O sucesso de ‘Rabo de Peixe’ não pode ser só feito em Portugal, tem de ser feito com números lá fora também.
Li alguns comentários de pessoas que acham que faria mais sentido os protagonistas de uma série açoriana serem açorianos, nomeadamente por causa do sotaque. O que acha disso? Nós não vamos ter sotaque na série, por isso essa questão nem está presente. E não vamos ter sotaque na série não por não o termos trabalhado – tanto que nós (os cinco protagonistas) tivemos um mês de ensaios só com sotaque e, na nossa opinião, estávamos bastante próximos -, mas sim pela necessidade de ser universal, de estarmos a trabalhar para vários países. Como tínhamos também bastantes cenas de improviso, era mais fácil falarmos num sotaque neutro, mais parecido ao nosso. Em relação aos atores açorianos, eu concordo plenamente. O realizador é açoriano, nasceu em Vila Franca, onde nós estivemos a filmar, por isso acho que ele melhor do que ninguém sabe perfeitamente do que estava a falar. Acho que nós temos 10 ou 11 atores açorianos na série, todos os grandes atores açorianos estão na série, como é o caso do Miguel Damião, do Frederico Medeiros, do Zeca Medeiros, do David Medeiros, do Romeu Bairros… Eu não tenho nada que ver com a escolha dos atores, fico muito feliz que seja eu a contar esta história. Todos os portugueses, e não só, vão ficar orgulhosos do trabalho que nós fizemos porque estamos a representar Portugal para o mundo.
Como se preparou para a personagem? Foram muitos meses. Fui viver para Rabo de Peixe. Nunca tinha ido aos Açores e fui diretamente para Rabo de Peixe, quis conhecer uma realidade que não é a minha e que me deixou completamente apaixonado. Vivi lá coisas muito bonitas. E trago pessoas no coração, como é o caso do Carlitos e do Miguel, que são pescadores, tal como a minha personagem. Também tive de me preparar fisicamente, para estar próximo do lado físico que a personagem pedia. Foram cerca de quatro meses de ensaios. Depois tivemos a oportunidade de estar três meses a rodar, o que nos deu algum tempo para fazer as coisas de maneira mais bonita. Temos imagens deslumbrantes do nosso país, principalmente de São Miguel e de Rabo de Peixe. Acho que esta história vai apaixonar muita gente.
Também fez parte de peças como ‘Hamlet’ e ‘Romeu e Julieta’. No futuro vê-se a investir mais no teatro ou na televisão? Não sei, até agora foi o equilíbrio perfeito. Eu quero ser o melhor possível em todas as áreas e quero melhorar todos os dias. Eu quero tentar ao máximo, ao longo dos anos, conciliar os dois. Tenho conseguido fazer peças que me dizem muito, como foi o caso do ‘Hamlet’, que foi a última que eu fiz e é, na minha opinião, a maior personagem do mundo. Ter a oportunidade, com 23 anos, que era a idade que eu tinha, de interpretar este personagem é um sonho, especialmente tendo corrido como correu, é quase utópico. A minha ideia é conseguir conciliar tudo o melhor possível, fazer o meu caminho devagarinho, com pequenas conquistas.
Além destes projetos também participou no filme ‘O Som que Desce da Terra’, com o qual foi nomeado para Melhor Ator Principal, nos Prémios Sophia do ano passado. Como surgiu esta oportunidade? O filme foi antes de eu ir para o Brasil. Foi muito bom, o Sérgio Graciano convidou-me para fazer o filme, juntamente com a Gabriela Barros. Na minha opinião, a parte diferente de tudo o que já foi feito é o olhar feminino da guerra. Foi incrível, porque, além dessa nomeação, deu-me também o prémio NICO, de jovem ator, e eu e a Gabriela ganhámos os prémios de melhor ator e melhor atriz da DGARTES. E, por isso, foi um filme que acabou por trazer alguns reconhecimentos, mas mesmo que não trouxesse, é um filme nosso muito importante e, por isso, é que também fez sucesso fora do país.
De que modo é que este reconhecimento impacta a tua carreira? Um impacto direto não tem. Ou seja, eu estaria a mentir se dissesse que é a mesma coisa, mas eu não trabalho à procura de prémios. Eu aceito os reconhecimentos como forma de perceber que estou a percorrer o caminho certo. E isso dá-me mais vontade de trabalhar.
Desde os 17 anos que entra pela casas das pessoas. Como é que lidou com o facto de começar a ser reconhecido? Essa é a parte mais mágica do ser ator, tocas as pessoas, as pessoas sentem que te conhecem. Ter a oportunidade de interpretar personagens que impactam a vida de outra pessoa é um poder que é quase estranho, mas tem um lado belo gigante.
Quais as principais dificuldades que sentiu e sente em seguir a carreira de ator em Portugal? Não falo por mim, porque tenho tido muita sorte, mas por colegas próximos. Como precisas de exprimir a tua arte não só para te sentires vivo mas também para teres comida, dinheiro e casa, porque é uma questão de sobrevivência, torna-se muito difícil perceber que às vezes tens de abdicar da tua paixão para poderes ter uma vida. No nosso país ainda falta um trabalho muito grande de apoio à cultura, de dinamização.
O que diria a um jovem que hoje pensa em seguir o caminho da representação em Portugal? Procurem informação, estudem. Porque a grande diferença entre querer realmente trabalhar como ator e a ilusão de ser apenas conhecido está no amor à arte, nesse saber sofrer. Quando escolhi teatro, sabia perfeitamente que podia estar a trabalhar uma vez por ano, numa sala com 50 pessoas, e não ter reconhecimento algum. Por isso, um ator que quer começar e quer perceber se é aquilo que quer para a vida tem de procurar formação. Acho que aí vê logo se está no lugar certo ou não.
E o que diria ao José Condessa de há dez anos, que estava a iniciar o seu caminho? Diria que está a correr tudo bem. Diria que aquilo que tive de abdicar e os sacrifícios por que tive de passar quando comecei valeram a pena e estão a valer a pena. Diria que não estou conformado nem à sombra da bananeira e que quero continuar a fazer mais e melhor e a desafiar-me.