Just Louis Fontaine foi um dos grandes cavalheiros que conheci no futebol e na vida. Não foi preciso muito para que, a partir do momento em que nos cruzámos pela primeira vez, em 1996, num evento dedicado à fase final do Campeonato do Mundo que viria a disputar-se em França, criássemos uma relação de consideração e respeito mútuos que duraria até à sua morte, no passado dia 1 de março, com 89 anos. Há muito tempo que não conversávamos. Coisas naturais da vida e da interrupção da vida para que a pandemia nos empurrou. Volta e meia ligava-lhe e sentia que ele ficava feliz por haver alguém num canto ocidental da Europa que não esquecia o homem que conseguiu o impossível. Agora é apenas mais um número de telefone que ficará em silêncio. E que não deixará de fazer parte dessa parede branca onde se enfileiram os grandes quadros da memória.
Fontaine nasceu em Marrakesh, no tempo do Protetorado Francês de Marrocos, filho de pai francês e mãe espanhola, e cedo a família mudou-se para Casablanca para que ele pudesse estudar no Lycée Lyautey, uma instituição preparada para receber os jovens que sonhavam com um futuro em França. Mas não tardou a prestar mais atenção ao futebol do que aos estudos e, já agora, o futebol também era um meio excelente para que as portas do Hexágono se lhe abrissem de par em par. Entre 1950 e 1953 jogou no Union Sportive Marrocaine de Casablanca onde o Nice o foi buscar. Os seus responsáveis ficaram encantados com a fúria com que Just Louis se dedicava a procurar as balizas adversárias com um afogueamento que raiava a obsessão. Três anos e 44 golos depois seguia o inevitável caminho de assinar contrato com maior clube francês da sua época, o Stade de Reims, que atingiu duas finais da Taça dos Campeões Europeus, ambas perdidas para o Real Madrid.
Realizar o impossível!
Era em Reims que moravam as estrelas, tal e qual moram agora em Paris e, pelos vistos, submetidas à mesma maldição de não conseguirem tocar na taça mais ambicionada por todos os clubes da Europa. Em Reims, Fontaine encontrou outro dos inesquecíveis: Raymond Kopa. Jogaram juntos apenas uma época porque Kopaszewski, de seu nome autêntico, e que também tive o privilégio de conhecer, não tardou a ser encantado pela sereia endinheirada do Real. Entre 1956 e 1962, Fontaine foi marcando golos e mais golos pelo Reims a despeito de ter passado por uma série de lesões tão preocupantes que o conduziram mesmo a um precoce final de carreira com apenas 28 anos e 11 meses e tantos mais golos ainda por assinar. Tornou-se treinador, começando logo por ser selecionador francês, passando depois pelo Toulouse, pelo Paris Saint-Germain e pela seleção de Marrocos.
Just Fontaine foi internacional pela França 21 vezes e marcou 30 golos! No Mundial de 1958 perdeu a cabeça. Enquanto Pelé e Garrincha encantavam o universo com o futebol mais bailado que alguma vez se vira, Just Louis só tinha olhos para as balizas. Começou logo no jogo de estreia contra o Paraguai com um hat-trick na vitória gaulesa por 7-3. A vítima seguinte foi a Jugoslávia. A França perdeu por 2-3 mas ele marcou os dois golos. A seguir, contra a Escócia (2-1) outro golo para fechar a fase de grupos. Nos quartos-de-final os franceses despacharam a Irlanda do Norte: 4-0, mais dois de Fontaine. Nas meias-finais foi a vez de caírem perante o maravilhoso Brasil: 2-5, um golo de Fontaine. No jogo para os 3.º e 4.º lugares, a Alemanha pagou as favas: 6-3, quatro golos de Fontaine. 13 no total, sem penáltis (era Kopa que os marcava), recorde que corre seriamente o risco de ficar aí para sempre como homenagem a um dos maiores avançados de todos os tempos e um ser humano maravilhoso. «Au revoir, monsieur!».