por Luís Ferreira Lopes
Está a terminar o mandato, com balanço positivo. E o que ficou por fazer?
É sempre difícil falar sobre o que fizemos, exceto os números que provam ou demonstram os resultados que conseguimos alcançar. Não é tanto numa lógica do que fica por fazer, mas o que temos para a frente porque a competitividade e os desafios externos do país são uma constante e vão-se manter. À medida que vamos chegando cada vez mais longe, seja no investimento, seja nas exportações, em muitas áreas, o desafio também aumenta.
Quais são os novos desafios mais importantes?
Vamos começar pelo tema que eu acho que deve dominar esta próxima década: a afirmação e o posicionamento da marca Portugal. E quando digo a marca Portugal, não estamos a falar de um logotipo. Estamos a falar de uma narrativa global para chegar aos consumidores finais. Nós acompanhámos de forma muito próxima, de 2018 para a frente, qual era a perceção que os compradores profissionais têm dos nossos produtos. A resposta sistemática que recebemos quando perguntamos sobre produtos portugueses, a resposta «é bom, português é bom». E isto é uma grande vitória! Primeiro, é uma grande vitória dos empresários e industriais portugueses que conseguiram afirmar a qualidade do produto português. Ora bem, se já temos os compradores profissionais conquistados, agora é fundamental que o consumidor final também tenha esta perceção para ser ele próprio a pedir aos seus compradores intermédios para terem uma oferta de produtos portugueses.
E o preço deve subir?
Isso, obviamente, tem resultados em preço e margem. É preciso trabalhar muito bem esta dimensão. Eu diria que o grande desafio desta década, sobretudo no ano em conseguimos chegar aos 50% de exportações no PIB, é nós começarmos a trabalhar a notoriedade de Portugal como país produtor de alta qualidade, de alta tecnologia e num ambiente altamente competitivo. Isto só se consegue fazer com este ponto de partida, agora, em que nós temos uma balança exportadora claramente com uma componente tecnológica muito diferente do que era há 15 anos. Basta ver as exportações do setor automóvel, da maquinaria, do setor químico, etc. Nós conseguimos demonstrar que somos relevantes e competitivos nesses setores que são dos mais competitivos no mundo. Agora, temos de conseguir demonstrar isso aos consumidores finais, sobretudo os nossos principais mercados. E aqui estamos a falar de mercados europeus, mas também mercados noutro lado do Atlântico como os Estados Unidos e o Canadá.
Havendo mérito dos empresários portugueses, de que forma a AICEP se adaptou, sob a sua liderança, para poder dar um impulso maior ao investimento e às exportações?
O que nós fizemos foi apoiar muito mais operações em mercados externos de natureza comercial e muito mais na internacionalização. Só para dar uma ideia, duplicámos o número e o montante de empresas com quem temos apoios diretos à internacionalização (Portugal 2020). Apoiámos e desenvolvemos eventos de larga escala e o melhor exemplo é a Hannover Messe. Ninguém se lembraria de Portugal ser o país parceiro da Alemanha na maior feira industrial e de maquinaria do mundo. Isto é, de facto, um reconhecimento internacional, até pela própria Alemanha, de como Portugal é competitivo e é uma surpresa neste jogo global.
Essa é uma marca que deixa… fica contente?
Muito contente com isso! Aliás, ainda fico mais contente porque, no caso da Hannover Messe, há uma dimensão que, às vezes, não é percecionada. O modo como fomos é extremamente simples: ‘Portugal makes sense’. Isto é, o senhor é alemão, não está a trabalhar com ou não está a comprar em Portugal ou se não está a investir em Portugal, é só porque não olhou para nós, porque não há outro motivo. E era uma aposta ousada, quando fizemos isto. E a verdade é que nos dias da feira, desde o chanceler da Alemanha a todos os players e as outras instituições, os nossos clientes e os nossos novos clientes que angariamos lá, todos reconheceram isto. Diziam: «Eu não tinha noção, mas isto faz todo o sentido do mundo».
E depois tínhamos outro comprovativo: porque as empresas alemãs em Portugal estão a dar-se lindamente, produzem de forma competitiva, mais diversificada, conseguem (a partir de cá) articular com outras geografias; porque os jovens falam línguas e conseguem interagir com os outros, estão muito bem habilitados (habilitações técnicas)… Portanto, conseguimos passar essa mensagem para o público profissional que Portugal é extremamente competitivo e Portugal está aqui para se afirmar no palco global.
Isso foi um trabalho que foi feito ao longo destes anos. Como é óbvio, foi preciso fazer este trabalho nas exportações, nestas ações e captar milhares de milhões de investimento para também termos a atenção da Alemanha para sermos o país parceiro. A Hannover Messe é uma demonstração clara do sucesso que Portugal consegue ter e isto só mostra que temos tudo pela frente para ter mais ambição e ir mais longe. Voltando à questão, o que fica por fazer? Eu diria, quais os desafios para a frente? O primeiro desafio que é afirmar uma narrativa nova: «É português é bom, tem alta qualidade, é inovador e é sustentável». Temos uma estratégia de marca que está desenhada para termos uma narrativa coesa para todos os setores.
Uma segunda dimensão nos próximos grandes desafios é o investimento. Os resultados na captação de investimento são indiscutíveis. Duplicámos o volume de investimento processado pela agência. Estamos a falar de impactar 13 mil milhões diretamente com estes contratos na balança exportadora do país, o que é um efeito muito relevante só de bens. Daqui para a frente, o grande desafio vai ser conseguir capitalizar todos os grandes projetos que nós estivemos a trabalhar e a angariar nestes últimos dois anos. Portugal tem, de facto, a capacidade de atrair grandes projetos de investimento industrial, de projetos grandes e altamente competitivos no setor do software – e temos visto isso com a abertura de cada vez mais centros especializados em determinadas áreas da cibersegurança, de desenvolvimento de inteligência artificial…
Portugal é um local seguro para atrair centros de competências?
Entre outras valências, temos, obviamente, a segurança e a estabilidade. Isso é absolutamente fundamental e foi feito um trabalho ao longo destes anos para veicular essa mensagem. Nós mudámos o pitch de investimento do país em 2015 e passámos a veicular três mensagens óbvias. Primeiro, nós temos talento do mais competitivo no mundo. Os nossos jovens são preparados e têm altas qualificações técnicas; os nossos centros de investigação estão entre os melhores do mundo e têm uma dimensão multicultural e cosmopolita muito relevante porque falam, pelo menos, duas línguas estrangeiras.
Quando olhamos para os mercados muito grandes, não nos apercebemos que essa é uma vantagem que muitos desses mercados não têm e isto é uma característica que nós temos pelas nossas características históricas, mas também pela vontade que os jovens têm de trabalhar com o resto do mundo. Ninguém vai aprender línguas estrangeiras, se não tiver vontade de trabalhar com outros. Isso é uma característica de um país altamente competitivo.
Segunda grande dimensão: a estabilidade e a segurança do país. Somos um país positivo e competitivo para fazer negócios. Todos os rankings mostram isso: somos os 30, 35 melhores do mundo. E temos um índice de segurança e de estabilidade que é particularmente relevante num mundo com tanta incerteza. Terceira dimensão: mantermos esta capacidade competitiva, sobretudo o talento, sempre a rolar. Temos de continuar a aumentar a participação dos jovens no ensino superior e manter as nossas universidades e os nossos centros de formação entre os melhores do mundo. E nos nossos centros de investigação, trazermos cada vez mais projetos de desenvolvimento tecnológico que concorrem com os melhores do mundo. A melhor prova que essa aposta estava certa é que angariámos quase mil milhões de euros em investimento de investigação e desenvolvimento tecnológico ao longo destes sete anos.
Qualquer uma destas empresas a fazer isto em Portugal podia escolher outro ponto do mundo competitivo para fazer isto e escolheu Portugal exatamente pela qualidade do nosso ensino superior, dos nossos cientistas, do nosso talento. Esta é uma receita para replicar e para aumentar em escala. O segundo grande desafio a nível de investimento é capturar e conseguir angariar e finalizar estes grandes projetos que estão agora em discussão e também aumentar o investimento em investigação e desenvolvimento tecnológico porque cria centros de know how ou hubs de autêntico conhecimento em Portugal. São investimentos perenes no país.
Nos últimos meses, têm sido conhecidos alguns indicadores e há uma preocupação grande na sociedade portuguesa de que Portugal está a ficar para trás na competitividade e na produtividade. Em final de mandato e como cidadão, o que o preocupa mais na evolução da economia portuguesa?
Essa é uma discussão relativa e não absoluta. Como cidadão português, com uma preocupação absoluta com o país, eu gostaria que tudo fosse perfeito. Agora, no jogo da competitividade, a boa notícia que isto é tudo relativo. Eu tenho é de assegurar permanentemente que sou melhor do que os outros com os quais estou a concorrer.
Isso implicaria, por exemplo, baixar impostos?
Ao longo destes anos, nunca me pronunciei sobre medidas que o Governo deve tomar. Posso, sim, partilhar, quais são as preocupações que, em inquéritos e até em público, os investidores demonstram sobre Portugal. Tipicamente, são de duas naturezas. Uma é a incerteza, sobretudo fiscal. Mais do que o peso fiscal, é um tema de incerteza porque nós temos um mecanismo em que, no Orçamento de Estado, tudo pode ser discutido todos os anos. Um investidor procura ter uma solução a dez anos para ter visibilidade sobre o seu investimento…
A incerteza fiscal é o verdadeiro custo de contexto?
Sim, segundo o que as empresas estrangeiras dizem quando operam cá. O que a AICEP faz? Através de contratos de benefícios fiscais, consegue-lhes garantir benefícios fiscais a dez anos e não é por acaso que os grandes investidores industriais procuram esta solução porque dá-lhes estabilidade sobre os rendimentos que vão ter. Há outro tema levantado e nem sempre bem explicado. Portugal é particularmente competitivo nas decisões standard, bem balizadas, seja ao nível de licenciamentos, seja de outros processos dentro do Estado, e funciona muito melhor do que noutros países.
Agora, muitas vezes há decisões a vários níveis com alguma aleatoriedade, porque é preciso conjugar decisões de várias instituições, e essa aleatoriedade gera alguma preocupação. A AICEP intervém aí através da comissão permanente para o investidor que acompanha os projetos na sua globalidade, do início ao fim. Como é óbvio, quanto mais melhorarmos nisto a todos os níveis, isso é melhor para a competitividade do país como um todo.
Caso contrário, o empresário ou investidor tem um calvário de burocracia e de entraves dos vários níveis de administração?
Eu não poria a coisa assim. Temos de olhar para este tema de forma comparativa e perceber se os outros fazem mais depressa do que nós ou não. O que temos visto ao longo destes anos, e que eu posso falar pela AICEP, em todos os projetos angariados, nós conseguimos sistematicamente apresentar a solução mais competitiva. Então, qual é a resposta à sua pergunta? É fundamental manter isto! É preciso mantermos esta competitividade. Porquê? O que me preocupa mais não é o status quo de competitividade, hoje. O que me preocupa é que se perceba que os outros não ficam parados e os outros vão também continuar a melhorar nas suas frentes. Se nós abrandarmos, podemos correr o risco de ficar atrás dos outros. E isso é que não podemos fazer. Uma economia que tem 50% de exportações no PIB e que se quer afirmar cada vez mais por investimento e exportações tem de continuar focada a melhorar sistematicamente nessas variáveis.
Na governance desta casa, houve aposta nalguns mercados. Com que recursos e delegações? Em que destinos?
Eu tenho a vantagem de ter nove anos de AICEP. Quando eu entrei aqui como CFO em que estava a trabalhar com o Miguel Frasquilho, fez-se uma grande expansão da rede. Foi muito interessante porque era numa lógica de experimentar novos mercados para ver se funcionava numa lógica de três anos e de perceber três coisas. Primeiro, se o mercado corresponde à expectativa macroeconómica. Segundo, se essas oportunidades são tangíveis para as empresas portuguesas. Terceiro, se as empresas também querem ir para esses mercados. Sem esta combinação, não faz sentido termos delegações. Essa experiência correu bem, em muitos casos, mas também houve outros que decidimos não continuar.
O que fizemos a partir daí foi focar nos mercados que consideramos de maior impacto. Primeiro, União Europeia que já é vista pelos nossos empresários como o nosso verdadeiro mercado interno. Ainda há muito espaço para crescer na União Europeia, há quota de mercado a ganhar em França, na Alemanha, em Espanha e noutros mercados europeus que são um dos mercados mais competitivos do mundo. E reforçámos algumas delegações na Europa com esse objetivo. Segundo, países com acordos de comércio livre como Japão, Coreia, Canadá e México. Fortalecemos algumas dessas delegações. É óbvio que, quando estamos a apostar no México e no Canadá, também estamos a apostar nos Estados Unidos. Aliás, abrimos uma terceira delegação nos Estados Unidos, no ano passado.
Terceiro, mantivemos a aposta nos países de língua portuguesa, sobretudo nos PALOP, porque a aposta das empresas portuguesas nesses mercados é uma aposta sistematicamente no longo prazo. Não está sujeita só aos ciclos. A aposta dos empresários portugueses em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde e numa série de outros países é, de facto, uma aposta de longo prazo. Portanto, a agência tem de prestar serviço sistemático nestes países e a muito longo prazo. Essas foram as prioridades de consolidação da nossa rede externa.
E esses países, veja-se o caso de Angola, também são cobiçados, obviamente, por países como, por exemplo, Espanha e França…
Mas isso é um jogo natural! O mais importante é perceber que há manifestamente o empenho das empresas portuguesas de vários setores, com um compromisso de longo prazo. Basta ver a quantidade de pessoas expatriadas que estão nesses mercados. Portanto, os três grandes focos da nossa rede externa e de toda a nossa ação de promoção tinham de ser estes: Europa, América do Norte, Coreia e Japão e países de língua portuguesa.
E o Brasil, nos últimos anos, tem dias?
Mais uma vez, é um mercado de longo prazo. A nossa balança exportadora tem uma componente agroalimentar muito grande para o Brasil e pode-se diversificar. Basta ver as interações entre start ups e de muitas outras empresas no setor industrial com o Brasil ao longo destes anos. Mas, no caso do Brasil, nós já estamos devidamente representados. Não foi preciso fazer nenhuma consolidação. Mantivemos a operação tal e qual como está.
Será que poderia ser feito algo mais no país para que melhor perceção externa das qualidades do produto português e da marca Portugal? Deveria haver um investimento maior, não apenas da AICEP, mas dos órgãos de soberania?
Nós acreditamos que sim, a vários níveis. Daí a tal estratégia para a marca Portugal. O conselho de administração comprometeu-se a entregar, ainda antes do final do mandato, uma estratégia para a marca Portugal para a próxima década. Estivemos a fazer este trabalho ao longo deste último ano e meio. Ainda estamos a recolher alguns contributos, mas está fechado e, como é óbvio, não quero aqui anunciar antes de partilhar com o Governo. Mas há duas ou três ideias que são partilháveis e que são percetíveis por todos.
Primeiro, isto tem de ser um compromisso a longo prazo porque não faz sentido fazer um esforço por dois, três anos e depois abandonar. Tem de ser feito um trabalho sistémico ao longo de, pelo menos, uma década. Segundo, isto tem de ser feito, de forma transversal, por todos. E daí ter um objetivo de uma narrativa comum à volta do que é Portugal. Porque é que Portugal é competitivo? Porque é que Portugal é sustentável? Porque é que os produtos portugueses são bons e inovadores? Terceiro, isto exige também uma boa coordenação entre todos.
E quando diz ‘entre todos’, quem são?
São os vários stakeholders desde os órgãos de soberania até associações empresariais e os detentores de marcas empresariais. Todos temos de remar no mesmo rumo para poder ganhar share of mind no consumidor final nestes mercados. Mais uma vez, são os mercados mais competitivos do mundo. Portanto, é mesmo importante que se faça um esforço a longo prazo e de forma certeira.
Nunca sabemos o nosso futuro, mas saindo agora de presidente da administração da AICEP, se tivesse o poder, como governante, que obstáculos à competitividade tentaria reduzir? E como olhar mais, em Portugal, para o sucesso dos portugueses em diversas áreas?
Não estou a fugir à questão, mas não vejo a questão assim. O que é fundamental é que os portugueses reconheçam que, com os resultados que conseguimos alcançar, nós conseguimos ir tão longe quanto quisermos. É algo que sinto que o país não reconhece. O tema é nós próprios termos a autoconfiança necessária para dizer: «Eu consigo chegar onde eu quiser!».
Ainda há caminho a fazer nessa mentalidade?
Estou certo de que nós conseguimos ainda ir muito mais longe. Se há nove anos viesse dizer que nós teríamos 50% de exportações no PIB em 2023, será que a maior parte das pessoas acreditava? A resposta é que não. Eu recordo-me bem do discurso que ouvi nessa altura. Se eu viesse dizer, há 15 anos, que Portugal iria ser relevante na exportação de componentes aeronáuticos, alguém acreditaria? Ou, há 20 anos, que Portugal iria ser um player relevante no setor automóvel, a produzir automóveis e toda a tipologia de componentes automóveis, alguém acreditava? A resposta é sempre não.
Então o que eu digo é: olhem para o Portugal de hoje, de 2022/23, e vejam o que conseguimos fazer. O que é fundamental é, reconhecendo isso, ainda ter maior ambição. Conseguimos. Ponto. E que isto seja, sobretudo, um ímpeto de motivação para ir mais longe, para começar a discutir como é que vai ser chegar a 75% de exportações no PIB. Será que fazemos agora um esforço até chegar aos 60% e depois é que pensamos no seguinte? Ou será que eu quero começar já a olhar para os 75% e pensar, a longo prazo, 2035/2040? Esse género de planos e de ambições tem de nascer do facto que nós sabemos que conseguimos concretizar! E é isso que os resultados mostram.
Mas aí terá de haver um trabalho político, dos órgãos de soberania, para transmitir maior confiança aos portugueses em geral e não apenas às empresas?
Em nove anos, nunca dei recomendações aos órgãos de soberania, nem ao Governo. Isto é um trabalho coletivo, é para todos. Aquilo que conseguimos fazer é um trabalho coletivo dos portugueses. Depois, cada entidade, cada órgão responsável, tem de saber o que consegue fazer para ir mais longe. Mas, sem reconhecermos isto, nós não conseguimos ter a ambição para ir mais longe. O que é: conseguimos! Então, se conseguimos, vamos ver onde conseguimos ir mais longe, para a frente.
Olhando para trás, para muitas viagens e contactos com líderes empresariais e políticos de vários países, há histórias que foram marcantes, até pelas diferenças culturais?
Teria muitas histórias (risos). Há duas coisas que me ficam para sempre na memória. Primeira, é absolutamente fundamental nós fazermos o exercício de perceber o que os outros estão a pensar em relação a nós e isso nem sempre é feito. Temos de ter a humildade e a capacidade de perceber como é que o outro reage ao que nós estamos a propor. E tenho experiências, não digo choques culturais, mas matérias culturais que, às vezes, não permitem os outros verem a mesma realidade e é preciso desmistificar isso. Só conseguimos fazer isso, se percebermos o que o outro está a pensar e fizermos o exercício de nos pormos nos sapatos do outro.
Que exemplo concreto em culturas diferentes?
Na Alemanha, tentámos sempre captar investimento sofisticado tecnologicamente e, quando começámos a demonstrar que até havia outras empresas alemãs em Portugal a produzir de forma extremamente competitiva, eu via como é que reagiam. Era preciso fazer trabalho prévio para que passemos a ser considerados. «Veja que outros que são seus concorrentes também estão a fazer isto».
No Japão, fiz uma apresentação, em 2017, sobre os fatores competitivos de Portugal. Tudo muito bem organizado, tudo sincronizado ao minuto e, no fim de uma sessão num banco muito grande, há sempre o aviso de que há espaço para questões no final e que o orador está disponível para responder a quaisquer questões. De repente, começam-se a levantar e não sei quantos japoneses numa fila para vir falar comigo. Uma das coisas que eu tinha dito era que Portugal era o terceiro país mais seguro e mais estável do mundo. Então, aquelas pessoas todas levantaram-se para perguntar: e o Japão é o número um ou o número dois? Quando respondi que era o número dez, eles ficavam espantados. Culturalmente, o Japão é dos países onde há maior perceção dos portugueses porque nós chegámos lá há quase 500 anos. Mas também tenho a perceção que eles achavam que eu chegava de caravela… Portanto, ao dizer que Portugal é um país mais seguro e mais estável do que o Japão, eles não queriam acreditar.
Uma segunda coisa que eu aprendi nesta função e que senti aqui de forma palpável: nunca duvidemos da sofisticação, seja em que zona do mundo estivermos, seja qual o tipo de interlocutor. Isto é, nunca entramos numa negociação sem percebermos que o nosso interlocutor do outro lado estará muito bem preparado e sabe muito bem o que quer dessa negociação, seja em que cultura for. E isso é um erro que eu vejo ser feito, sobretudo, nas exportações quando se pensa que vai ser uma venda fácil. Nunca duvidemos da sofisticação e da qualidade do nosso interlocutor.
Se fizesse uma comparação com países como, por exemplo, Irlanda ou Países Baixos ou Bélgica, estes seriam exemplos a seguir? O que Portugal poderia aprender com esses países?
Esses exemplos demonstram que países desta escala podem ter uma pressão exportadora ainda muito maior e diversificada. Olhemos para a Bélgica e os Países Baixos e é particularmente interessante vermos como é que se consegue ter uma balança exportadora tão grande e tão diversificada. É óbvio que há características específicas: a Holanda tem o porto Roterdão que alimenta o resto do mundo. Mas isso é a prova viva que nós podemos ter níveis de PIB muito maiores e assentes em exportações.
Portanto, temos de começar a pensar na marca Portugal, como é que vamos posicionar as nossas exportações com cada vez maior valor acrescentado, como é que vamos aumentar as exportações no PIB, como é que vamos trazer cada vez investimento mais sofisticado para o país? Esses são bons exemplos para nos fazer refletir, mas, acima de tudo, para percebermos que é possível!
Nos próximos meses ou talvez um ano, planeia viajar menos e deixar de estar sempre a fazer e desfazer malas?
Neste momento, não sei. Espero que sim (risos). Ainda é muito cedo para dizer isso.