Numa altura em que temos visto o ensino virar-se de pernas para o ar – com todas as manifestações e greves realizadas pelos professores, que têm batido o pé por uma série de melhorias nas suas condições de trabalho – ao que parece, aproxima-se a altura dos profissionais do ensino superior (professores e investigadores), se juntarem à luta.
O mais recente estudo do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), analisou a evolução dos salários para os vários índices das carreiras de investigador e de docentes de ensino superior, tomando em conta os valores da inflação, concluindo que as perdas de poder de compra entre 2004 e 2023 se cifram em valores entre 22,07% e 27,65%, dependendo do nível remuneratório, e que apenas num único ano já longínquo (2009) se registou um efetivo aumento do poder de compra. Além disso, segundo o estudo, «há cada vez uma maior desvalorização daquelas que são das carreiras mais qualificadas da administração pública», o que significa que «também vão deixando de ser atrativas para os mais jovens».
«Temos uma média etária que passou de 43 anos em 2007, para 48 anos, em 2021; há um grande número de colegas que estão próximos da idade da reforma e que nos próximos anos se vão aposentar…Temos em Portugal um número muito elevado de doutorados, mas precisamos que estas carreiras sejam atrativas», explica ao Nascer do SOL, a professora Mariana Gaio Alves, presidente do SNESup.
De acordo com a responsável, é evidente que, ao longo dos anos, o SNESup vem alertando para estas questões, chamando muita a atenção para a questão da precariedade. «Nós temos tido no caso do ensino superior em ciência um aumento exponencial de pessoas a trabalhar a tempo parcial e com contratos a prazo e contratos transitórios», conta. «Temos, entre os professores, cerca de 42 %, precários e temos, entre os investigadores, 75 a 80%. Isto é grave», alerta ainda. Ou seja, muitas vezes, os professores estão contratados a 50%, mas estão a trabalhar o número de horas que trabalha um professor contratado a 100%.
«No estudo, fizemos uma análise que tem em conta os níveis salariais e o valor da inflação, desde 2004. Portanto, entre 2004 e 2023. O que é que nós concluímos? Que a perda do poder de compra atinge valores que estão entre os 22 % e os 27%. Os salários mais elevados têm perdas mais elevadas. Houve apenas um único ano, 2009, em que efetivamente houve um aumento no poder de compra», explicou.
De acordo com a professora, professores e investigadores auxiliares – categoria inicial da carreira -, entre 2004 e 2023, mesmo que tenham progredido dois escalões, em resultado da avaliação de desempenho, a perda de poder de compra foi de 16%. Ou seja, mais do que dois salários a cada ano. Professores adjuntos – categoria inicial da carreira de professor do ensino politécnico -, também neste caso, mesmo que tenham conseguido progredir esses dois valores, perderam 20%, o valor de quase três salários.
«Estas contas são feitas no pressuposto que estas pessoas tiveram alguma progressão em resultado da avaliação de desempenho – passar de um escalão remuneratório para outro», sublinhou a presidente do SNESup.
«Acho ainda que é muito relevante sublinhar que 60% dos professores e investigadores que são doutorados há mais de 20 anos, nunca mudaram de escalão remuneratório. São em maior número. Há muita gente, para quem efetivamente, desde 2004, a perda de poder de compra tem sido registada continuamente», acrescentou.
Interrogada sobre como é que a situação chegou aqui, Mariana Gaio Alves, acredita que tem havido «uma desvalorização completa da qualificação académica, um aumento da precariedade, uma inação dos sucessivos Governos, para resolver os problemas laborais dos docentes e dos investigadores que, infelizmente, no atual Governo, se voltam a repetir». «Não há medidas concretas para resolver estes problemas», lamenta.
«Ainda esta semana a Ministra Elvira Fortunato esteve no Parlamento em audiência e nós não ouvimos nenhuma medida concreta sobre as questões laborais», lembra.
O SNESup também já foi ouvido no Parlamento este ano, contudo, de acordo com a professora, não houve nenhuma resposta. «Não há absolutamente nenhuma resposta por parte do Ministério. Silêncio absoluto perante esta matéria e nem sequer vontade ou disponibilidade para analisar a situação. Isto está a gerar um mau estar muitíssimo grande porque são carreiras muito exigentes», frisa, sublinhando ainda que o trabalho destes profissionais «é muito importante para o país». «É no ensino superior que formamos as profissões qualificadas. Enfermeiros, jornalistas, médicos, advogados», exemplifica.
Segundo a presidente do SNESup. temos sido conhecidos internacionalmente pela qualidade da nossa formação académica, «o problema é que vai tudo lá para fora»: «Há imensos diplomados do ensino superior a trabalharem no estrangeiro e que têm tido percursos profissionais estáveis e com boas condições, porque são valorizadas as qualificações», conta. O mesmo se passa com os investigadores. «Temos muitos investigadores que acabam por optar pelo trabalho noutros países, pelas mesmas razões. Portanto, há aqui um investimento no caso português, que não está a acontecer», alerta, acreditando que é necessário formar mais diplomados de ensino superior e continuar a contar com os resultados da investigação que «nos permitem resolver inúmeros problemas».
«O exemplo mais evidente é sempre o da pandemia: como é que surgiu uma vacina para a covid-19 tão rapidamente? Surgiu porque existiam conhecimentos e tecnologias que tinham estado a ser trabalhadas pelos investigadores durante muito anos e que foi possível depois adaptar para este vírus em específico», explicou a responsável.
Além disso, continua, todas as tecnologias que utilizamos, todas as medidas que vão sendo construídas para prevenir a pandemia, para melhorar a qualidade de vida das pessoas na área da cultura, da educação, da segurança social, «beneficiam de investigação que vai sendo feita nas universidades e politécnicos». «Se nós continuarmos a desinvestir nestes profissionais entraremos numa situação de rutura. É preciso inverter este rumo», garante.
«Isto desvaloriza as profissões, prejudica o bem estar e a qualidade de vida das pessoas que trabalham, mas tem consequências muito sérias para o país, porque nós precisamos de fortalecer o ensino superior e ciência», afirma a presidente da SNESup.
Está a decorrer, neste momento, uma petição ‘Pela valorização dos salários de investigadores e professores do ensino superior’. «Nós pretendemos que este assunto seja discutido na Assembleia da República. Agora, há cada vez mais a perspetiva de greves e de outras formas de protesto, porque efetivamente a situação está a deteriorar-se. Estamos a chegar a um ponto de rutura!».