Embora a palavra ‘neue’ signifique ‘novo’ em alemão, o Neues Museum, de Berlim, conta já 168 anos de vida. Além disso, alberga uma coleção de artefactos antiquíssimos, da Pré-História, da Proto-História e do Egipto, entre os quais se destaca o mundialmente famoso busto de Nefertiti, feito há cerca de 3500 anos. O que tem então de novo este museu? Quase tudo.
Desenhado em estilo neoclássico pelo arquiteto Friedrich August Stühler e construído entre 1841 e 1859 na Ilha dos Museus, o edifício foi um dos muitos em que os bombardeamentos dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial provocaram tremendos estragos. As intervenções nas décadas seguintes foram mínimas, o que levou a que o Neues Museum se degradasse a olhos vistos. Exposto aos elementos, plantas cresceram entre as fissuras das pedras.
E é aqui que entra em cena David Chipperfield. Após um concurso internacional, coube ao arquiteto inglês e à sua equipa o projeto de recuperação do Neues Museum – uma tarefa de enorme exigência que foi cumprido com distinção. O caráter neoclássico do edifício original continua intacto, mas um observador atento notará a subtil integração de elementos novos na estrutura oitocentista.
«O objetivo principal foi re-completar o volume original, e implicou a reparação e restauro das partes que permaneceram depois da destruição da Segunda Guerra Mundial», explica o ateliê de Chipperfield. «O restauro arqueológico seguiu as linhas orientadoras da Carta de Veneza, respeitando a estrutura histórica nos seus diferentes estados de preservação», prossegue. Nalgumas paredes, por isso, subsistem ainda as marcas de projéteis. «Todas as lacunas […] foram preenchidas sem competir com a estrutura existente em termos de brilho e de superfície. O restauro e reparação do existente é guiado pela ideia de que a estrutura original deve ser acentuada no seu contexto espacial e materialidade original – o novo reflete o desaparecido sem o imitar».
Esse princípio foi aplicado, por exemplo, na escadaria principal, que recupera as linhas da escadaria destruída, porém numa linguagem inequivocamente contemporânea.
‘Subtil mas poderoso’
Foi precisamente este rigor e este respeito pelo património – sem barulho nem espalhafato – que valeu a Chipperfield a atribuição do Prémio Pritzker, o mais cobiçado da arquitetura, na passada terça-feira. «Subtil mas poderoso, controlado mas elegante, é um arquiteto prolífico que é radical na sua contenção, demonstrando a sua reverência pela história e cultura, e ao mesmo tempo honrando a construção pré-existente e a envolvente natural», enaltece o comunicado do júri.
«Sempre caracterizados pela elegância, contenção e um sentido de permanência, assim como por composições claras e requinte nos detalhes, os seus edifícios transpiram clareza, surpresa, uma contextualização sofisticada e uma presença confiante. Numa era de comercialização excessiva, de excesso de design e de exagero, ele consegue sempre atingir o equilíbrio: entre uma linguagem arquitetónica minimalista moderna e liberdade de expressão, entre afirmações abstratas e elegância rigorosa nunca desprovida de complexidade», continua o texto da atribuição.
Já o arquiteto reagiu à distinção considerando-a «um encorajamento» para continuar a dedicar-se «não apenas à substância da arquitetura e ao seu significado, mas também ao contributo que podemos dar enquanto arquitetos para enfrentar os desafios existenciais das mudanças climáticas e das desigualdades sociais».
Da quinta ao ‘Nobel’
Nascido em Londres há 69 anos, David Alan Chipperfield passou a infância numa quinta no Devon, Sul de Inglaterra, entre campos cultivados, casas rurais e celeiros. Estudou em Kingston e em Londres, onde concluiu o curso de arquitetura em 1980. Trabalhou primeiro com Douglas Stephen, depois com Norman Foster e Richard Rogers, acabando por fundar o seu próprio ateliê de arquitetura em 1985. A sua primeira obra de maior envergadura foi o The River and Rowing Museum, em Henley-on-Thames, concluído em 1997. Seguiu-se, entre as comissões importantes, a do Neues Museum, inaugurado em 2009.
«Projetar não é inventar cores e formas. Tem que ver com desenvolver uma série de perguntas e ideias que têm um rigor próprio e consequências», defende.
O sucesso da intervenção em Berlim valeu-lhe comissões nos mais diversos pontos do planeta, embora desde cedo tivesse uma relação especial com o Japão, dado que um dos seus primeiros trabalhos foi desenhar o interior de uma loja do costureiro Issey Miyake. Ao longo dos anos, abriu escritórios em Berlim, Xangai, Milão e Santiago de Compostela.
Além das já referidas, entre as mais de uma centena de obras do seu portfólio, sobressaem o edifício ‘Veles et Vents’ para a America’s Cup (Valência, 2006), a sede da BBC em Glasgow (2007), o Museu de Arte de Saint Louis (Missouri, 2013), a sede da Amorepacifico (Seul, 2017) e a James-Simon-Galerie (Berlim, 2018), adjacente ao Neues Museum.
Antes do Pritzker, Chipperfield já tinha recebido alguns dos mais importantes prémios de arquitetura, como a medalha de ouro do Royal Institute of British Architects e o Mies Van der Rohe, ambos em 2011. Foi também curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2012, e deu aulas na Academia de Belas Artes de Estugarda e na Universidade de Yale.
Muitas vezes cognominado ‘Nobel da arquitetura’, o Prémio Pritzker é atribuído anualmente desde 1979 pela Fundação Hyatt, sediada em Chicago, e tem o valor monetário de 100 mil dólares. Já distinguiu figuras como Philip Johnson, I.M. Pei, Oscar Niemeyer, Frank Gehry, Siza Vieira, Tadao Ando e Zaha Hadid.