A revisão da Concordata que regula as relações entre o Estado e a Igreja poderá vir a ser uma das consequências do processo de investigação aos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica.
Neste momento está já em apreciação na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais um projeto de resolução apresentado pelo Partido Animais e Natureza (PAN), que pede «a revisão e renegociação da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, com vista à garantia dos direitos humanos, em particular dos Direitos da Criança, revendo e prevendo, entre outras matérias, a questão do segredo de confissão, nomeadamente quando estão em causa crimes de abuso sexual de menores por membros da Igreja ou a ela ligados».
À proposta de Inês Sousa Real juntam-se as vozes de outras figuras da sociedade portuguesa que também já se pronunciaram neste sentido. Isabel Moreira, em artigo publicado no Expresso, diz que, face aos resultados da Comissão Independente e à reação da hierarquia da Igreja, que descreve como «o retrato do patriarcado instalado, gelado, sem empatia e cobarde», o Estado deve tomar a iniciativa. Diz a deputada socialista que este processo passa por uma revisão urgente da Concordata, para que as autoridades possam «perguntar aos eclesiásticos sobre factos e coisas de que tenham conhecimento por motivo do seu ministério». Num outro texto de opinião no jornal Público, Pedro Norton argumenta que «a Igreja Católica não tem sido capaz de merecer em matéria de abusos sexuais, a autonomia que o Estado português lhe tem conferido». Por isto mesmo, Pedro Norton considera que chegou a hora da política e de se abrir o processo de revisão da Concordata.
Uma coisa é certa, o tema vai mesmo ser debatido e votado na Comissão de Assuntos Constitucionais por iniciativa do PAN e face à situação atual, com a Igreja debaixo de fogo por causa do relatório sobre abusos sexuais de menores, à deputada do PAN pode mesmo juntar-se uma maioria de votos para aprovar a recomendação. A socialista Isabel Moreira, que integra a comissão, já fez saber a sua opinião e, se a ela se juntarem os restantes deputados do PS, a proposta será aprovada.
A aprovação em Parlamento não dá por si só início ao processo, já que se trata de uma recomendação ao Governo, que é o órgão institucional que tem poder para tomar a iniciativa.
O debate está aberto e promete dar que falar nos próximos tempos, resta saber se vai ter consequência prática e levar à abertura do terceiro processo de revisão do tratado que regula as relações entre o Estado português e a Santa Sé, estabelecido em 1940. A última revisão deste tratado concluiu-se em 2004, após três anos de intensas negociações.
Maria Castela