Por Ester Amorim
Professora Universitária de Gestão e Economia
Portugal saiu de uma ditadura quase morta para uma Democracia quase pacífica. Na realidade a revolução de 25 de Abril de 1974 teve alguns objetivos, liberdade, acabar com a guerra colonial e o começo de negociações com os movimentos políticos de libertação das ex. colónias para se tornarem em países independentes.
Em termos de diplomacia as negociações foram um sucesso, já no que diz respeito à descolonização Portugal não salvaguardou a sua permanência, o património nem o bem-estar de centenas de milhares de cidadãos que se radicaram nessas províncias trabalhando no seu desenvolvimento.
A revolução deu-nos a Democracia e as boas relações com o mundo. Talvez seja um desígnio genético, Portugal nunca se prepara para o seu progresso. É muito difícil perceber que um país de pequena dimensão tenha numa pequena parcela do território mais de 73% da população, junto ao litoral e a grande parcela do território menos de 25% da população. O Estado, os governos e os partidos políticos muito se preocupam com o desenvolvimento no litoral porque aí tem o seu maior apoio, mas esquecem-se que é no Interior que estão as fronteiras terrestres com o mundo.
Com esta política de desprezo para com o Interior, não é só o empobrecimento destas regiões, mas sim de todo um país. Chegar ao século XXI com as novas tecnologias e as redes sociais de informação ao segundo, falar que é fator de desenvolvimento a situação geográfica junto ao mar é o mesmo que receitar uns óculos graduados a um cego. Um país desenvolve-se pela sua coesão territorial e não pela sua localização geográfica. Exemplo de países na Europa em que a coesão territorial é a sua bandeira e cujas capitais se encontram no Interior e distantes do mar. Madrid, Paris, Berlim, Roma, países em que a maioria da população está no Interior e que aparecem na vanguarda do desenvolvimento.
Constata-se que Portugal raramente tem soluções e arranja sempre desculpas para os fracassos. Ultimamente, tem sido abundante nos discursos dos políticos escutarmos que precisamos de imigrantes e se possível que venham com as famílias. Mas que condições lhes dão para a sua fixação? O Litoral tem população que ultrapassa o seu espaço, o Interior tem espaço mas não tem condições de emprego. As universidades estão a formar os nossos jovens e muitos de grande qualidade intelectual, cientistas, investigadores, técnicos de referência mundial, fazem-se grandes investimentos na ciência, mas sem retorno porque o seu futuro é emigrarem.
Se tivermos como referência histórica a nossa existência, certificamos o enorme desequilíbrio populacional, onde o Litoral tem todos os requisitos para o seu desenvolvimento e no Interior são quase inexistentes. Mas nem sempre houve esta discrepância. Nos finais do século XIX e princípio do século XX, o Interior tinha maior relevância, era mais rico e com maior densidade populacional que o Litoral. Foram anos de coesão territorial bem delineados. O nosso solo e subsolo tinha enorme riqueza em minerais: estanho, volfrâmio, urânio, ferro, lítio e ouro, tornando-se cobiça para a sua exploração das maiores empresas industriais do mundo, fixando as suas fábricas no Interior.
Ao fazer investigação para este artigo, fiquei surpreendida com o que encontrei. Nos finais do século XIX até aos anos 50 do século XX Portugal era mais rico e mais evoluído que a Espanha. As vias-férreas e os seus ‘trens’ (comboios), único meio de deslocação, eram o mais do moderno e sofisticado que existia a nível global. Portugal do Minho ao Algarve, do Interior ao Litoral e a toda a Europa estava ligado por estas vias-férreas. Passado mais de 140 anos no Interior continua a mesma via-férrea e os mesmos trens. Vias rodoviárias não existiam na época, porque também não havia veículos.
O Interior, geograficamente, esteve sempre na defesa do nosso território e da nossa soberania. Tornou-se rico e desenvolvido através do seu solo e subsolo com a fixação de fábricas de exploração mineira vindas de vários países industrializados e consequentemente radicaram-se industriais, diretores, engenheiros, cientistas, investigadores tendo como operários milhares de cidadãos portugueses. O Interior de Portugal, passou a ser cosmopolita principalmente pelos estrangeiros que se fixaram e desenvolvida pela enorme população residente.
O Interior tinha tanta importância no mundo da ciência que quando se descobriu urânio radífero nas minas da Rosmaneira (Guarda), a cientista Madame Curie, prémio Nobel duas vezes (em Física, 1903 e em Química, 1911) veio extrair esse minério e daqui saiu para o seu laboratório em Paris. Pode-se dizer com toda a verdade que foi do subsolo do Interior de Portugal que a maior cientista de referência mundial revolucionou o estudo da radioatividade e descobriu os elementos químicos rádio e polónio. As suas descobertas foram tão importantes que se deve a ela a criação da máquina de raio X à bomba atómica cuja principal composição química era o urânio extraído no Interior de Portugal. Por estudos e documentação tudo indica que Madame Curie se deslocou por via-férrea até essas minas ou mandou alguém da sua equipa para analisar essa extração de urânio.
Com toda esta evolução no Interior, com muita população empregada com imigrantes qualificados e instruídos a alojarem-se outras infraestruturas foram criadas. Fábricas de lanifícios, hospitais de referência e alguns para doenças contagiosas nomeadamente a tuberculose, salas de cinema, teatro, hotéis, restaurantes, postos médicos junto das populações por vezes instalados junto dessas fábricas de extração mineral, médicos residentes nas aldeias que se deslocavam às habitações para consultas médicas utilizando como transporte a bicicleta ou o cavalo, (muito bem identificado no livro Retalhos de Vida de um Médico do médico e escritor Fernando Namora). Todas as freguesias do Interior tinham escolas do ensino básico e daí saíram grandes vultos da história. O Interior estava protegido pelas Forças Armadas com quarteis em todas as capitais de distrito e com forças de segurança junto das fronteiras terrestres e nas aldeias de maior aglomerado populacional. Esta é a radiografia do passado no Interior.
E hoje o que temos no Interior? Uma enorme decadência, que dá pena. Aldeias sem qualquer habitante e outras que apenas tem idosos com pequenas reformas. Hoje na realidade tem de se emigrar para sobreviver só que ao contrario de antigamente são os mais qualificados. Qual é o objetivo do Governo em ter o Ministério da Coesão Territorial e o Ministério da Agricultura?
Se hoje com tanta ajuda da Europa estamos nestas condições de pobreza, quando terminarem essas ajudas o que será o Interior?
Na ditadura era necessário emigrar para ter uma vida melhor. Na democracia é necessário emigrar para ter uma vida melhor. Qual a diferença?