Por Luís Castro, Jornalista
Quando nos impressionámos com a coluna militar russa de sessenta quilómetros a tentar chegar a Kiev, é porque já nos esquecemos da coluna militar americana de quinhentos quilómetros a caminho de Bagdade. Foi a segunda maior concentração de veículos militares em toda a história, a primeira havia sido na Segunda Guerra Mundial. Se alinhássemos as duas colunas em igual dispositivo, a russa não passaria de vinte quilómetros comparada com os quinhentos da americana. Duas máquinas de guerra sem comparação.
Há vinte anos, cruzando aquela coluna, já para lá de Bassorá e antes de ser preso, recordo-me de me perguntar se eles tinham vindo todos para o Iraque ou se havia ficado algum na América. Mas os generais americanos queriam ainda mais botas no terreno porque sabiam que cento e vinte mil homens não bastavam para ocupar o Iraque. Os russos cometeram o mesmo erro e levaram praticamente o mesmo número de soldados para a Ucrânia.
Até hoje, segundo a ONU, os russos terão matado cerca de oito mil civis na guerra da Ucrânia, mas já ninguém se recorda que os americanos mataram oito mil civis no Iraque em apenas dois meses. Também já nos esquecemos que os americanos, um mês depois do início da invasão, disseram publicamente que não consideravam prioritário fazer o balanço dos mortos civis e não publicaram qualquer relatório militar.
Tony Blair, um dos responsáveis pela invasão do Iraque, diz que «não se pode comparar as duas guerras». Ele pode dizer o que quiser, mas nós podemos comparar os civis que eles mataram e as mentiras que nos contaram: que havia armas de destruição em massa no Iraque e nazis na Ucrânia. George W. Bush, habitual gaffeur, descaiu-se, dizendo que «a invasão brutal do Iraque foi a decisão de um homem e totalmente injustificada». Quanto percebeu que a boca lhe tinha fugido para a verdade, emendou, justificando que afinal estava a falar da Ucrânia e não do Iraque. Na verdade, acabara de ser ver ao espelho.
Mas também podemos comparar o que fez o Tribunal Penal Internacional, tão rápido que foi a emitir um mandado de captura contra Putin e tão distraído com os crimes de guerra no Iraque e no Afeganistão. O promotor-chefe do TPI lembrou-se vinte anos depois e pediu autorização urgente para investigar. Mas fala-se mais nos crimes imputados aos Talibãs e ao Estado Islâmico do que os que terão sido cometidos pelos exércitos americano e britânico, bem como pelos seus serviços de inteligência. Jornalistas e grupos de Direitos Humanos deram ao TPI informação e provas mais que suficientes das atrocidades cometidas também pelos ocupantes. A alguns custou-lhes a vida.
As guerras são únicas, mas há mais semelhanças entre as da Ucrânia e do Iraque, desde logo porque são duas potências nucleares que quiseram mudar os regimes pela força e pela mentira, manipulando as opiniões públicas de forma criminosa. Há quem tenha contado as mentiras dos líderes americano e britânico sobre os motivos para a invasão do Iraque: 260 vezes Georg W. Bush; Tony Blair bastante menos, mas as suficientes e convenientes para o senado americano o homenagear com honras que até então só havia concedido a Winston Churchill.
Há quem defenda que, tal como Bush e Blair, também Putin acredita no que disse sobre os motivos que usou para invadir e matar. Pode, até, ser meia verdade, pois também nestas duas guerras falharam as Informações. Tanto Putin como Bush e Blair foram enganados pela ‘inteligência’ – pouca, por sinal. Afinal não foram recebidos com flores e aplausos.