“O atentado ter acontecido no Ramadão ganha uma proporção mais trágica”

Khalid Jamal é português, nasceu e cresceu em Portugal, mas pratica a religião muçulmana e não exclui que possa haver ‘aproveitamentos populistas desta situação’. No entanto, defende que ‘temos de estar um bocadinho vigilantes’ para acolher e para dar acompanhamento aos imigrantes que chegam ao nosso país. Acompanhamento que, no seu entender, tem faltado.

Como é que a comunidade muçulmana está integrada? Ninguém estava à espera que houvesse um ataque deste género no Centro Ismaili de Lisboa…

O justo não pode pagar pelo pecador. É um bocadinho triste que isto se tenha passado na comunidade Ismaili, porque é uma comunidade muito homogénea, muito bem integrada, muito assimilada no seio da sociedade portuguesa e com uma relevância social pela obra feita muito própria. Claro que é manifestamente injusto isto ter-se passado assim. Claro que há outras comunidades por esse país fora e as comunidades islâmicas têm uma realidade e, por vezes, um recorte mais heterogéneo. Não é o caso desta. Simplesmente, aqui dá-se uma coisa nova, um fenómeno novo, que é a integração de refugiados que, até à data, não tinha sido feita. E, portanto, tal a somar à circunstância de ser uma pessoa com um problema patológico, infelizemente, criou uma circunstância trágica e fez com que isto acontecesse.

De uma forma geral, a maioria está integrada na comunidade portuguesa?

Sem dúvida. Não estou a dizer isso por ser dirigente e senior advisor do presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa. Há alguns problemas de integração, mas são pontuais. E a integração não surge por via religiosa. Ou seja, se me perguntar se há discriminação religiosa em Portugal, não creio. Há discriminação étnica? Há. Ou seja, é preciso assumir com frontalidade, enquanto dirigentes das comunidades assumimos que de facto há problemas, mas são coisas muito pontuais e isoladas. Não existe um problema de integração, como, por exemplo, existe nos guetos em Paris, nos subúrbios e na semiperiferia. Isto é um fenómeno que em Portugal não acontece com esta escala, nem com esta dimensão brutal. E daí ter-nos surpreendido a todos. 

Por ter acontecido na altura do Ramadão ganha outras proporções?

Ganha uma proporção mais trágica. Era como ter acontecido, por exemplo, na véspera ou no mês de Natal, em que todos estamos contagiados com o espírito natalício… e haver um assassinato. Isto foi um crime hediondo. A forma como foi feito foi ainda pior e exponenciou ainda mais tudo aquilo que de mau a natureza humana pode ter, principalmente num mês tão sagrado e especial como é para nós o mês do Ramadão. O Ramadão está numa comparação infeliz como o Natal para os católicos. E, portanto, fazer-se isto nesta quadra, que é de retiro, de reflexão, de sacrifício, uma quadra familiar, é para nós uma coisa diabólica, é muito triste acima de tudo.

A partir de agora vamos todos olhar de lado para o recebimento de refugiados?

Acho que os portugueses em geral recebem muito bem. Eu estou incluído. Não vamos mudar o nosso espírito de integração e de boa receção que temos a qualquer imigrante refugiado. Isso faz parte intrinsecamente do ADN de ser português. Acho que não vamos mudar isso. O que é certo é que temos de estar um bocadinho vigilantes em relação às situações que se passam com os refugiados e com os imigrantes, especialmente para não lhes prometer um paraíso que depois não conseguimos cumprir. Acho que isso é fundamental. Temos de olhar para os problemas que podem surgir daí e a nossa  intervenção tem de ser no âmbito de uma intervenção preventiva e não reparadora. Isto para que quando aconteçam – ou nunca aconteçam – este tipo de problemas, mas na eventualidade de acontecerem, não estarmos sempre a correr atrás do prejuízo por conta de um trabalho preventivo não realizado. Esse tem sido o meu entendimento e reafirmo isso. ‘Mais vale prevenir do que remediar’, diz o sábio povo, e, como tal, temos de estar todos como sociedade civil, como comunidades religiosas, entidades públicas, oficiais, etc., extremamente atentos a situações que possam fugir à normalidade e as pessoas com problemas, com dramas, com desafios e que precisam de acompanhamento têm de estar sobre vigilância.

Este tipo de situações pode comprometer esse tipo de programas?

Creio que não. Defendo que a solução e o problema não está relacionado com o acolhimento per si, nem com a integração. Temos é de estar mais preparados, enquanto sociedade civil e com as nossas instituições, para acolher e para dar acompanhamento. E o que tem faltado é o acompanhamento. Não devemos acabar com o princípio da integração, nem fechar fronteiras, pois não é isso que vai resolver os problemas de Portugal. O que vai resolver é acompanharmos. Dir-me-á que isso obriga a meios, é verdade. 

E que tipo de meios?

A verdade é que somos um país com poucos recursos e, às vezes, temos de escolher entre uma coisa e outra. Somos, muitas vezes, confrontados com a escassez de recursos. Temos é de fazer uma gestão mais eficiente destes recursos e perceber como é que conseguimos ter um meio termo equilibrado entre acolher as pessoas, acompanhá-las, não comprometendo aquilo que são os nossos meios já escassos.

Mas admite que podemos vir a assistir a uma situação de discriminação?

Não excluo que haja aproveitamentos populistas desta situação, dizendo agora que os muçulmanos são os maus da fita. Acho que isso pode acontecer. Espero e estou convicto que a sociedade portuguesa saberá reagir bem, como tem reagido, com um manifesto e uma onda de solidariedade em relação ao que aconteceu, percebendo que isto nos escapa do controlo. Ou seja, aconteceu no centro Ismaili, mas podia ter acontecido em qualquer outro sítio. Uma pessoa com um problema patológico, com algum tipo de problema pode perpetuar este ataque bárbaro. Isto aconteceu no Centro Ismaili porque foi a comunidade que o acolheu, mas podia ter acontecido em outro local qualquer. 

Somos um país aberto, mas temos alguns partidos de direita que poderão pôr em causa este tipo de situação…
Acho que isso pode estar na agenda desses partidos ou das pessoas que não querem esse acolhimento, mas isso não faz sentido, porque nós, como sociedade, especialmente os portugueses têm uma relação aberta com o mundo e não nos podemos fechar na nossa redoma. O todo é mais do que a mera soma das partes. Não podemos olhar só para o nosso umbigo e pensar que a solução passa por fechar as fronteiras ou deixarmos de receber qualquer tipo de refugiados ou de imigrantes. Até porque, se estivéssemos nessa situação, também gostaríamos de ser recebidos por alguém. Ponho-me sempre no lugar do outro.