Tristezas…

Num momento de loucura e por razões que apenas o tempo descortinará, uma personagem de origem afegã que tantos agora qualificam como habitualmente pacífica, tirou a vida a duas Senhoras que calmamente trabalhavam no Centro Ismaili. 

1. Esta semana, Nazaré da Costa Cabral (NCC), presidente do Conselho das Finanças Públicas, veio de forma cristalina dizer o que pensam todos os portugueses que não se revêm na nacionalização da TAP e, sobretudo, nos custos de 3,2 MM euros que essa decisão puramente ideológica implicou: o dinheiro que se injeta nas empresas públicas tem/deve ser recuperado! Admitir o contrário é contribuir para o depauperar deste país em que demasiadas vezes se «continua a meter dinheiro bom em cima de dinheiro mau».

NCC tem objetivamente razão: existe uma cultura de ‘encolher os ombros’ de grande parte da população portuguesa que olha com laxismo para os prejuízos das empresas públicas que parece não as sentir como suas, olhando para estas com estranha e elevada indiferença. Inexiste uma cultura de rigor e exigência e, no meio disto tudo, NCC quase parece uma ‘ET’ ao falar do que deveria ser óbvio – a necessária prestação de contas que deve ser exigível aos políticos sobre como respeitar os dinheiros públicos.

Numa publicação em fevereiro de 2023, o Conselho de Finanças Públicas vem meter o ‘dedo na ferida’ sobre o Setor Empresarial do Estado ao referir que mais de 1/3 das empresas está em falência técnica em 2021 e ainda que, para nosso espanto, cerca de 44% dos relatórios e contas das empresas com obrigações de reporte ainda não estão aprovados pela tutela. Pelo meio, ficámos ainda a saber que as empresas criadas para gerir os ativos do BPN (Banco Português de Negócios), Parvalorem (que gere os problemáticos) e a Parups (imobiliário e obras de arte), são «sorvedouros de dinheiros públicos». Complementa esta informação ao referir que a Parvalorem tem capitais próprios negativos de 3,3 MM euros em 2021.

Se tudo isto não é demolidor, sinceramente não sei como definir a realidade deste universo, sobretudo quando NCC vem cirurgicamente duvidar da qualidade e da forma da informação prestada por essas empresas (o que suscita, em meu entender, questões sobre o que deveria constituir um pilar do setor – a transparência). Por outras palavras, ‘há aqui um problema de gestão’. Obviamente que não será em todas, porque 2/3 das mesmas não estão abrangidas por esta realidade da falência técnica, mas é inquestionável que subsistem dúvidas transversais: por um lado, a qualidade dos quadros superiores de muitas destas empresas e/ou, por outro, a sua efetiva viabilidade económica.

Em suma, este Conselho de Finanças Públicas veio mais uma vez alertar para questões pertinentes e, só por isso, é uma voz incómoda neste torpor em que nos encontramos, com um PS de maioria absoluta que nos tem adormecido a quase todos com canções de embalar, inexistindo a perceção de uma oposição que seja alternativa capaz de governar. 

Termino a relembrar que outras companhias aéreas que receberam ajudas ou já as reembolsaram como a Lufthansa (utilizou 3,8 MM euros dos 9 MM euros aprovados) ou estão a concluir esse processo em abril 2023 como a Air France (faltam 1,2 MM euros dos 4 MM euros aprovados). Este tem de ser o objetivo dos gestores da TAP (Alô, Luís Rodrigues!) em resposta à nossa exigência como contribuintes, seja pela geração de cash flow que nos reembolse, seja pela via da complicadíssima privatização, seja por ambas. Mas tem de ser um desiderato, por respeito a todos nós.

2. Ainda sobre questões de transparência, o Público noticiou que o Governo vai acabar com uma medida do Portugal 2020 e que provém do tempo do Governo de Passos Coelho, ou seja, a divulgação obrigatória nos jornais dos municípios e regiões onde os projetos do Portugal 2030 vão ser executados. Era uma medida que para além de alimentar financeiramente a imprensa regional e local, tinha a enorme vantagem de dar a conhecer os projetos de forma cristalina e acessível a todos.

Eu bem registei que a nova legislação prevê que tais operações aprovadas terão publicitação no Portal dos Fundos Europeus, no sítio da internet do Programa e no Portal Mais Transparência. Mas, acabar com a obrigatoriedade da publicação prevista nessa medida, por muito que já estivesse a ser desrespeitada, é desproteger a informação, como muito bem reconhece Paulo Trigo Pereira (PS), sobretudo para uma larga faixa da população portuguesa que continua a ter enormes dificuldades com a informática. 

3. Senti profundamente o infeliz acontecimento que esta semana afetou a Comunidade Ismaelita, um duplo assassinato completamente inesperado, porventura num dos locais mais pacíficos de Lisboa. Razões da minha vida profissional fizeram-me cruzar com algumas pessoas desta Comunidade e o tempo transformou a relação profissional numa relação de profundo respeito pelos seus membros, pela sua Obra, fundamental em tantos países, também em Portugal.

Num momento de loucura e por razões que apenas o tempo descortinará, uma personagem de origem afegã que tantos agora qualificam como habitualmente pacífica, tirou a vida a duas Senhoras que calmamente trabalhavam no Centro Ismaili. Sucedesse este caso noutros locais de Lisboa, da periferia ou do país, era mais um daqueles casos que a imprensa sensacionalista daria a atenção qb (ou seja, enquanto gerasse audiência). Sucedendo num Centro considerado sagrado pela Comunidade Ismaelita tomou proporções decorrentes da importância de onde sucedeu, gerando especulações, tão naturais quanto desnecessárias sobre motivações políticas ou religiosas. 

A vida vai continuar naquele Centro Ismaili, a sua Comunidade continuará a desenvolver a sua Obra, este trágico quanto injusto acontecimento nunca será esquecido, mas a grandeza da alma de todos quanto a compõem saberá perdoar. A Nazim Ahmad que sei estar pessoalmente devastado pela tragédia, um abraço especial de solidariedade, também pela perda de sua sobrinha, uma das vítimas.