Num daqueles ataques de verborreia em que costuma ser fértil, o presidente do FC Porto, que ostenta orgulhosamente o título de mais arguido de todos os presidentes de clubes de Portugal, resolveu soltar uma atoarda daquelas que o divertem muito e fazem rir, envergonhadamente aqueles lambe-botas que o rodeiam como uma matilha de cãezinhos amestrados, sempre a abanar o rabo. Proferiu uma daquelas tiradas que, pensa ele, ficarão registadas na eternidade do futebol português e virando os canhões a sul, erguendo a espada e, pondo a mão por dentro do colete como um Napoleão de pacotilha, afirmou com toda a seriedade que o inimigo estava identificado e ficava à distância de 300 km. Não lhe pronunciou o nome mas também não era preciso. Para o campeão dos arguidos o inimigo é sempre quem lhe faz frente e na contingência de perder o campeonato para o Benfica só vê vermelho à frente e está decidido a firmar os pés no chão para poder suportar o incómodo terrível que essa situação lhe provocaria.
Poucas vezes como agora o Benfica apresentar-se-á numa receção ao seu rival do norte com tão grande vantagem como agora, e não falo apena de vantagem pontual. Tem melhores jogadores, tem melhor equipa, joga incomparavelmente melhor, possui um treinador capaz de serenar a equipa ao contrário de a transformar numa pilha de nervos prestes a rebentar. Lembrar-me-ão alguns que é precisamente nos ambientes deliciosos, do tudo ou nada, onde é possível sentir o cheiro intenso da pólvora e não se pode dar um passo no terreno sem correr o risco de pisar uma mina que o FC Porto se sente bem e tem obtido algumas das suas vitórias mais decisivas na Luz. Verdade! E é por isso que está na altura de perceber com quantos paus se faz a canoa do treinador alemão Herr Schmidt.
Saber ser melhor
No jogo da primeira volta, nas Antas, a realidade foi tão límpida e cristalina como os olhos da Michelle Pfeiffer. O Benfica aguentou o natural primeiro embate do FC Porto, começou a tomar conta do jogo e viu-se cedo em vantagem numérica pela expulsão de Eustáquio. Quantas vezes já vimos acobardados treinadores benfiquistas sentirem-se no céu com situação idêntica e fazendo os possíveis e impossíveis para sair do Porto com o 0-0 que exibiam como um troféu. Não foi assim com Schmidt. Esperou pelo natural cansaço portista, deixou que a sua equipa tomasse conta das ações no meio-campo e depois de ter o adversário à sua mercê tratou de lhe dar o golpe final, saindo do Porto com uma vitória com tanto de moralizante como de prometedora.
Por outro lado, têm sido em exagero as vezes em que o FC Porto se tem deslocado à Luz em aparente ou evidente desvantagem e exatamente carregado às costas por esta ideia que nos pode parecer troglodita de vir enfrentar um inimigo mas que parece provocar o fervilhar do sangue nas veias dos seus jogadores atirando-os para exibições que não pareciam ao seu alcance. Compara-se muito Schmidt a Sven-Göran Eriksson e esta é uma boa altura para perceber se o alemão tem o desplante e o descaramento do sueco quando, por exemplo, ao ver-se prepotentemente obrigado a jogar uma final da Taça de Portugal nas Antas se limitou a comentar: «Somos melhores. Vamos lá e ganhamos». Ganharam. Schmidt a esta hora, a despeito da estratégia, só tem que se fixar numa ideia e fazer com que os seus jogadores a absorvam: «Somos melhores, jogamos e ganhamos». E limpar com essa filosofia simplista muitos dos fracassos da história recente do Benfica.