Tanta coisa, tanta coisa…

Eu bem sei que o Governo conta com o PRR para compensar o que não tem investido, neste caso contemplando a recuperação de imóveis devolutos do Estado e, pasme-se, ressuscitando a famosa ‘Parque Escolar’ de que Sócrates tanto se orgulhava (hoje ‘Parque Escolar e Habitacional’). Vamos ver se irá conseguir o objetivo, apesar de estar…

A exposição pública tem qualidades e defeitos, como tudo na vida. Quando em excesso, permite às pessoas ver melhor quem tanto se expõe e, quando peca por defeito, até um misticismo pode criar. Ultimamente, António Costa, quiçá acossado por sondagens que lhe são desfavoráveis, tem-se desdobrado em sucessivas entrevistas, sempre em tom humilde por contraposição à imagem de arrogância que lhe estava ‘colada’, num frenesim doentio que muito o tem exposto, ‘disparando’ para todos os lados, nem sempre da forma mais feliz.

Depois de um ano horribilis, sentiu que tinha de fazer algo que lhe devolvesse a iniciativa política. Assim, lançou o pacote ‘Mais Habitação’ e definiu como prioridade combater a inflação, simultaneamente apelando à responsabilidade social dos empresários para não serem gananciosos e lançando medidas (corretas, mas sempre escassas) como as de apoio aos carenciados e o IVA zero em 44 produtos.

Os resultados destas políticas só serão conhecidos a prazo, mas é inquestionável que algumas destas medidas têm gerado forte controvérsia, o que desde logo é mau presságio. O ‘Mais Habitação’, privilegiando, entre diversas medidas, o arrendamento coercivo de andares devolutos, o congelamento das rendas e ferindo de morte o Alojamento Local (AL), fica colado, justa ou injustamente, a políticas da esquerda radical. Se dúvidas houvesse, atente-se ao apoio revolucionário das diversas manif’s de há dias, promovidas pelos antigos parceiros da falecida Geringonça. 

Bem pode Costa vir dizer que a legislação desse arrendamento coercivo já existia desde os tempos de Passos Coelho, porque muito do espírito das leis tem a ver com quem as promulga, pelo que estou profundamente convicto das consequências gravosas destas políticas, ou seja, uma quebra do investimento no imobiliário e, consequentemente, uma redução no respetivo mercado. Sobre o ataque frontal ao AL, que tanto tem feito pelo Turismo, longe vão os tempos em que a dupla Costa/Medina, enquanto autarcas de Lisboa, tanto o promoveram. 

 

Este programa ‘Mais Habitação’ nasce, assim, torto, sobretudo porque sendo inequívoco que escasseiam habitações disponíveis particularmente nos grandes centros, não pondera, como ponto de partida, a construção de habitação social como a grande medida que o Governo deveria incentivar (e que tem constituído prioridade em diversas autarquias, como por exemplo sucede no Barreiro, com planos de que se pode orgulhar). 

Eu bem sei que o Governo conta com o PRR para compensar o que não tem investido, neste caso contemplando a recuperação de imóveis devolutos do Estado e, pasme-se, ressuscitando a famosa ‘Parque Escolar’ de que Sócrates tanto se orgulhava (hoje ‘Parque Escolar e Habitacional’). Vamos ver se irá conseguir o objetivo, apesar de estar há um ano sem presidentes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal e sem contas aprovadas desde 2018, o que nada augura de bom. 

Regressando ao ‘Mais Habitação’, Costa foi lesto a descarregar para cima das autarquias o ónus da aplicação dessas políticas do arrendamento coercivo. No entanto, ‘o tiro parece ter saído pela culatra’, dado que diversas já vieram responder referindo dificuldades na sua implementação, sobretudo por falta de meios, pelo que estas medidas do programa se arriscam, na prática, a ser ‘uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma’. O congelamento das rendas só afugenta investidores e se falarmos do AL, sentimos bem a injustiça de quem acreditou que investir neste setor seria uma boa aplicação de poupanças e que, agora, não só vê cerceadas as renovações de licenças como o mesmo onerado fiscalmente e de forma abusiva.

Não resisto a comentar o tema do IVA zero, medida implementada em Espanha por Pedro Sánchez e duramente criticada durante semanas pelos responsáveis do nosso Governo, porque nada ia resolver, porque seguramente ia aumentar os lucros das grandes superfícies e outras tais ladainhas, já sem falar que o PS reprovou no Parlamento, por diversas vezes, iniciativas similares dos partidos da oposição. Acredito que o desespero das sondagens a tanto obrigue porque a medida de cariz populista aí está, demonstrando a incongruência do Governo, até porque na prática todos beneficia, sobretudo os de maior poder económico. Curiosamente, o antigo Ministro das Finanças, João Leão, também se pronunciou referindo que os preços irão descer, mas não será basicamente por este efeito.

Regressando ao tema das sucessivas intervenções públicas, Costa não se coibiu, numa reunião com sindicalistas, de falar num tema muito querido a essas bases – na necessidade do aumento dos salários como base para o crescimento da economia, tanto nos setores público como privado, e também para combater a inflação. Quem o ouviu nesse fórum, seguramente terá ficado estupefacto, porque são exatamente essas as reivindicações sem resposta e que alimentam as sucessivas greves que fustigam o país nos setores do Estado que direta ou indiretamente dependem do seu Governo, como a Saúde, a Educação, a Justiça ou os transportes, com a CP e Carris.

Vamos lá esquecer as teorias económicas sobre crescimentos de salários vs inflação e a sua perversidade que Centeno de quando em vez relembra, e concentremo-nos na realidade económica dos aumentos de salários, porque é indiscutível que o seu crescimento tem de começar no incremento da economia para se poder distribuir. Infelizmente, a realidade é que a nossa economia tem estado anémica na última década, dado que no ranking do PIB europeu per capita estamos a ser sucessivamente ultrapassados por vários países do Leste europeu e estas contradições governamentais nada ajudam, porque quaisquer que sejam os investidores, estes preferem sempre países com políticas estáveis, sejam de natureza económica, fiscal ou laboral. Quando estas premissas falham, é indiscutível que ‘se encolhem’. Se a isto, somarmos uma justiça morosa, temos o “caldo entornado”.

Termino a lamentar a resposta (evasiva) de Costa quando lhe perguntaram qual o legado que gostaria de deixar como reflexo desta longa passagem governativa, bem reveladora da (falta de) visão estratégica que tem caracterizado este Governo: «Espero que quando deixar de governar haja tanta coisa, tanta coisa que daqui a 30 anos ninguém se lembre da minha existência…!»’. Infelizmente vai mesmo ser relembrado como exemplo de quem desperdiçou uma maioria absoluta para fazer crescer o país.