A audição para lamentar de Christine Ourmières-Widener na Comissão de Inquérito à TAP, nesta quarta-feira, foi mais um exemplo paradigmático do estado a que chegou a democracia e o exercício do poder neste Portugal do século XXI.
As pressões políticas de ministros e secretários de Estado assumidas pela brevemente ex-CEO da companhia aérea ainda nacional, as relações de excessiva proximidade ou até mesmo promiscuidade entre políticos e gestores públicos ou nomeados pelos nossos governantes, a impreparação de uns e de outros,…
Vê-se, ouve-se e lê-se e não dá para acreditar. Parece mentira. Inconcebível mesmo.
As mensagens por email ou por WhatsApp entre membros do Governo e entre estes e gestores públicos ou de empresas com participação do Estado são elucidativas da mediocridade reinante.
O ‘favorzinho’ ao Presidente da República que se tem de manter como melhor aliado político não vá o Diabo (que é ele também) tecê-las… é a prova da total falta de noção de quem nos governa.
E a verdade é que perante o pedido do secretário de Estado para que o voo de Maputo para Lisboa fosse adiado por um ou dois dias para não causar transtorno ao chefe de Estado – prejudicando sem apelo nem agravo umas centenas de passageiros que também haviam pago os seus bilhetes –, Christine Ourmières-Widener mandou verificar junto do chefe da Casa Civil da Presidência da República a veracidade de tal solicitação – que foi obviamente desmentida, como só podia.
Ao que chegámos! Mau demais!
Como se não bastasse, Christine Ourmières-Widener confirmou também que a sua última audição no Parlamento foi antecedida de uma reunião preparatória (de coaching, como é moda dizer-se) com membros dos gabinetes ministeriais de Ana Catarina Mendes e João Galamba, além de contar com a participação do deputado socialista Carlos Pereira, que integra a Comissão de Inquérito à TAP.
Veio o deputado justificar como sendo «comuns» reuniões do género, considerando «normal» a «partilha de informações» entre deputados e membros do Governo, empresas públicas, partidos e outras entidades.
Não, senhor deputado, não é normal; é, sim, inadmissível, porque viola os princípios éticos mais elementares e pisa a fronteira do ilícito criminal.
E se, como Carlos Pereira adiantou, este género de reuniões são «comuns», então, está evidentemente em causa o regular funcionamento das instituições democráticas, bem se sabendo qual a consequência que a Constituição determina.
Nada, aliás, neste grotesco dossiê da TAP é normal. Parece que entrámos num voo de demasiado longo curso em turbulência constante e com poços de ar sem fundo.
Além do regabofe de milhões distribuídos pela rapaziada.
Ele é uma avença mensal milionária para antigo presidente da companhia, Fernando Pinto, por uma consultoria sem evidências para a CEO cessante, são indemnizações de centenas de milhares e acima de um milhão para administradores e diretores que saíram após a nacionalização ordenada por António Costa e que quase transformam em bagatela os 450 mil euros cuja devolução é exigida a Alexandra Reis, são compras e vendas de aviões num emaranhado de dúvidas e perplexidades de muitas centenas de milhões… e o voo ainda está longe da aterragem no seu destino final.
Além de que também a própria Christine Ourmières-Widener, pelos vistos, desconhecia o nome da empresa do seu marido que terá concorrido à prestação de serviços de natureza tecnológica num negócio que terá sido travado por Alexandra Reis quando ainda em funções na administração da TAP.
«Foi só uma apresentação» de uma mera proposta, explicou a CEO_cessante da companhia aérea.
Enfim, por estas e tantas outras Portugal está cada vez mais na cauda da Europa e muito mais próximo dos países de terceiro-mundo.
Perante tudo isto, António Costa ousa responder, com um sorriso rasgado de orelha a orelha que a ocasião dispensava, que «o país fica melhor por saber a verdade». Não fica nada. Vai é de mal a pior. E, mais uma vez, até parece mentira.
A verdade é que a TAP e todas as trapalhadas que têm originado uma série de demissões e exonerações em cascata e a todos os níveis revelam um padrão da forma de exercer o poder e de selecionar governantes e gestores públicos ou de empresas participadas pelo Estado que nada tem a ver com o interesse coletivo e o bem comum e muito menos com uma estratégia de desenvolvimento para o país.
Antes pelo contrário, obedece ao interesse exclusivo de uma trupe partidária que se alimenta do poder e que não olha mesmo a meios para atingir os seus fins – e o poder pelo poder.
Já não chega reservar espaço para o ‘Manguito’. É preciso dar um murro na mesa. Antes de ter de carregar no botão.