José Maria Matias
Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
Em julho de 2022 participava numa conferência em Cracóvia e no regresso a Portugal, fiz escala no aeroporto de Frankfurt. Nessa altura, deparei-me com uma situação caótica, de voos cancelados, de uma certa ansiedade e incerteza, percebia-se que as pessoas estavam bastante nervosas. Não me recordava de ter visto nada assim num aeroporto. Nos noticiários passavam imagens impressionantes de protestos de agricultores que ameaçavam bloquear aeroportos, autoestradas e cidades. De um protesto que se cingia exclusivamente aos Países Baixos, juntaram-se outros países pela Europa. Lembro-me de aterrar e pensar que a Europa iria mudar substancialmente no curto prazo, devido ao fim da pandemia, o princípio da guerra e agora com aqueles protestos.
Tudo começou devido ao anúncio do governo de Mark Rutte, de um novo plano que visava reduzir as emissões de óxido de nitrogénio e amoníaco em 50% até 2030. Os agricultores sentiram que as suas propriedades estavam ameaçadas e muitas em risco de fechar, então, decidiram sair para a rua. É preciso ter em conta que os Países Baixos são o segundo maior exportador agrícola do mundo, atrás dos EUA. Isto implica que qualquer decisão nos Países Baixos no âmbito da agricultura, terá sempre de ter em consideração a sensibilidade dos eleitores.
Depois disso, confesso que perdi o desenrolar da situação, contudo, em março, deram-se as eleições regionais nos Países Baixos. O resultado foi claríssimo, o BBB, um partido recente formado por agricultores, ganhava de forma clara ao partido de Mark Rutte. O BBB tornava-se um fenómeno impressionante de ascensão eleitoral, fundado em 2019 na sequência de outros protestos de agricultores e por uma razão que era clara: não se sentiam representados pelos políticos que tinham. Nas eleições gerais de 2021, o partido tinha conseguido eleger apenas um lugar para a Casa dos Representantes, estando muito longe dos 34 lugares alcançados pelo VVD de Mark Rutte. No entanto, as últimas sondagens, para as eleições gerais de 2025, já dão ao BBB mais de 50 lugares.
Numa entrevista ao Dutch News no final de 2021, a líder do BBB, Caroline van der Plas, explicava que as pessoas se sentiam cansadas e que cerca de 70 a 80% dos holandeses tinha uma formação vocacional, mas as políticas do país eram determinadas exclusivamente por pessoas com estudos universitários. Não sei se será esta dicotomia a chave do sucesso do BBB, mas parece-me claro que os eleitores não se sentem representados pelos eleitos e esse fosso é cada vez maior. Seja fruto de um problema de formação de elites europeias, ou da cultura de entretenimento, parece que as sociedades ocidentais perderam as ligações entre as diferentes partes.
O establishment político fala de uma crise das democracias e instituições, contudo gostava de fazer uma distinção. Uma coisa é a crise dos partidos tradicionais que dá origem ao surgimento de novos partidos e de uma certa competitividade no sistema político. Outra, será uma crise das instituições que são o pilar do estado democrático. Ou seja, ficaria preocupado com as instituições, caso as pessoas que não se sentissem representadas nos partidos tradicionais, não tivessem novas oportunidades de voto. Isso sim, implicaria um risco enorme. Uma crise nos partidos tradicionais não é uma crise nas instituições democráticas.
Como tal, Rutte levou com um trator em 2023, Macron arrisca-se a ser o próximo e as eleições europeias serão muito interessantes. No fim, o BBB relembra-nos a verdade fundamental nas democracias: o povo é sempre soberano!