‘Por via das artes damos um contributo para a paz’

O sol já se está a pôr. Ao longe veem-se veleiros no rio e, como em todos os outros dias, a vida acontece. Com um casaco de veludo cor de esmeralda, que contrasta com as cores da echarpe e o encarnado do chapéu, Teresa Ricou, mais conhecida como ‘Tété’, desce as pequenas escadas que dão entrada para este universo das…

Este filho nasceu em 91, de que forma tem crescido? Quando fazemos um filho temos realmente que o manter. Não é dar-lhe mama, não sou pessoa de dar mama! Mas temos de lhe dar de comer, regá-lo todos os dias. Isso é o Chapitô. Continua a ser! Um filho partilhado com muita gente. Por isso, por um lado, é mais fácil, por outro, é mais difícil. São muitas coisas para conjugar, para ter em conta. Estes projetos não se conformam com o conforme. Não se mantêm dessa forma. Têm de andar every day, porque as pessoas têm de comer. E eu aqui continuo tentando encontrar parceiros à altura… Vou encontrando. Há muita gente aqui a trabalhar. Somos muitos! Aqui e espalhados pelo mundo…

E o que é que mais mudou desde a altura do seu nascimento? Não mudou nada… Cresceu! A qualidade desenvolveu-se. A qualidade de vida, do ensino, do acolhimento… Sobretudo mantivemos os diferentes itens que o Chapitô tem, pensados por mim e concretizados por muita gente. É um local de coesão social para o desenvolvimento e avanço do mundo. Este foi o meu pequeno contributo. É isto! Queremos que o mundo pule e avance… Ele realmente está a avançar, eu não sei é se estará a pular para o sítio certo. Quero acreditar que sim e, por isso, ainda aqui estou, que nós, por via das artes, damos um grande contributo para a paz do mundo.  

Disse numa outra entrevista que ‘o circo é redondo como o mundo’. Acredita então que ele também o poderia salvar… Eu acho que, por via das artes, se estivéssemos no mesmo alinhamento, conseguiríamos dar uma volta ao mundo pela positiva. O mundo está meio complicado, não é? Se as pessoas estivessem interessadas em ter um mundo melhor… Mas a humanidade está um bocadinho perversa no seu pensamento. As pessoas estão obcecadas com o poder, com o consumo, com a rapidez. Eu sou por manter a coisa em desenvolvimento. Sou pela construção, arregaçar as mangas, mexer na terra, nos tijolos. Criar! Não vejo muitas pessoas viradas para este tipo de pensamento. Não é retro, é atual. Mas tenho esperança que as coisas se transformem. No Chapitô é essa a tentativa. Viver em liberdade, criar, não perder os objetivos. Entre estes patamares, está a escolha de cada um. 

E o que é que foi mais difícil neste percurso? Um artista tem de provar sempre alguma coisa a alguém? Não tem de provar nada a ninguém! Tem é de se sentir realizado, saborear as coisas, mostrar que é bom. Isso faz parte da realização de cada um. Eu, por exemplo, não estou realizada ainda, mas como já provei e já saboreei aquilo que está feito, uma parte já está… Agora, quero a minha realização pessoal, profissional, que é voltar a ser artista. É um paradoxo, mas é a realidade.

Levou a ‘Tété’, com a sua galinha [Mariana], a vários cantos do mundo. Sente que a maneira como viam o seu trabalho era muito diferente? Sente que Portugal é pequenino para alguns talentos? Portugal é pequenino mas tem muitos talentos. Anda muita gente muito zangada com o país que eu ajudei a construir. Eu não estou zangada, mas estou um pouco inquieta. Fui lá para fora, mas voltei. Não quero voltar a sair, exatamente para conseguir explicar que fiz a minha vida, que dei a minha vida a muita gente e que as artes estão no cerne de tudo isto. Penso que Portugal está no sítio certo, nós temos é de tentar ajudar, não é com violência que vamos conseguir. Depende de todos nós, não só do Governo. O Governo somos nós. Sinto que as pessoas também estão um bocado instaladas. Temos de procurar onde nos sentimos melhor. Portugal ainda é um país de muita burocracia, muito pouca literacia das artes. Falta perceber a importância das artes neste contexto todo. 

Então sente que ainda existe algum estigma relativamente aos artistas? Sim, sinto que sim. Em Portugal, estamos muito centrados em Lisboa, quando o país não é só isto. Há tanta coisa a acontecer, no interior, por exemplo. Coisas regionais, locais…    

E aquela ideia de que os palhaços são só homens… continua a existir? Penso que não. Conseguimos desconstruí-lo. Eu honro-me bastante por ter proporcionado que isso acontecesse, com a minha própria experiência, profissão, enquanto artista de circo e palhaço. Se eu não tivesse entrado pela cena artista depois do 25 de Abril, a falar do circo, da sua dignidade, das suas raízes, da sua tradição, dando o salto para um circo mais contemporânea, o circo não estava nas bocas do mundo como está neste momento. Eu tenho a certeza absoluta disso! Não havia ninguém que tivesse pegado nessa ideia. Andei 10 anos com circos itinerantes, sei muito bem como é a vida do circo, apesar de não ter vindo de lá. Mas tive grandes mestres. Agora, fico muito satisfeita de ter sido o motor de arranque de tudo isso. 

Acredita que, pela sua versatilidade, o circo é o futuro? Claro! O circo e a ópera. São os dois espetáculos mais totais! É uma arte que pede muito trabalho, a todos os níveis. É preciso que haja quem queira trabalhar. Às vezes as pessoas também não têm paciência para isso….

E com o passar do tempo a ideia que tem deste projeto de vida altera-se? Eu estou bastante surpreendida com a história dos recursos humanos. Não são os mesmos de quando comecei. Havia uma forma solidária de estar, uma forma de partilha completamente diferente, de vontade, de descoberta, da pessoa estar surpreendida todos os dias com aquilo que acontece, com aquilo que se faz… Atualmente, todas estas artes estão um bocadinho mais à venda. São os ares do tempo… A vida de artista está muito cara.