Um pouco por toda a parte, havia o incómodo, o desconforto: a UEFA, pela voz do presidente do Comité Organizador da Taça dos Campeões, José Crahay, anunciara, após as meias-finais, que a final se disputaria em S. Siro, a casa do Inter, campeão europeu em título. A decisão era inacreditável. Mas foi levada por diante. Em caso de empate, finalíssima em Bruxelas. S. Siro encheu, claro! 180 milhões de liras de receita, recorde absoluto do grande estádio de Milão, qualquer coisa como 8.500 contos da época. 80.000 pessoas estariam nas bancadas para assistir à segunda vitória da equipa de Moratti e Helenio Herrera na Taça dos Campeões da Europa. S. Siro seria o inferno. Não havia esperança para o Benfica.
Jacques Ferran, um dos enviados-especiais do L’Équipe: «Eram oitenta mil milaneses contra dez portugueses. E foi uma afronta ao futebol que o Benfica não saísse de S. Siro pelo menos com o empate, tão visível foi o medo dos italianos perante a equipa portuguesa. O Benfica fez ontem tudo quanto é humanamente possível fazer em futebol. Lutou contra a multidão, lutou contra o adversário, lutou contra a má sorte. E foi sempre uma equipa de coragem, de decisão e lucidez, além de alardear uma superioridade técnica e um sentido de jogo que obrigou os próprios adeptos do Inter a ohs! de admiração!». Max Urbini, outro dos enviados-especiais do L’Équipe: «O Inter conseguiu mais uma vitória ao seu jeito: sem nada arriscar, sem coragem e sem sentido ofensivo. Os portugueses fizeram frente à adversidade, demonstraram que têm uma equipa superior à do campeão italiano e provaram que esta final foi falseada desde início pela decisão incompreensível da UEFA a marcar para S. Siro. O Benfica tem direito a um respeitoso tirar de chapéu…».
Moratti manda!
«Il Comendattore»: só de si, a expressão é sinistra. Moratti: dono do Inter. Em Itália, dizia-se à boca cheia: «Moratti compra tudo… árbitros incluídos». A UEFA dobrou a cerviz a Moratti e obrigou o Benfica a jogar a final no campo do adversário. Rodolfo Pagnini, jornalista do L’Unitá: «O Benfica perdeu, mas sai de campo com todas as honras. Pode levar consigo, para Lisboa, as armas do nobre vencido. Ontem, como se não bastasse o golo de Jair, numa autêntica ‘gaffe’ de Costa Pereira, jogou os últimos trinta e três minutos sem o seu guarda-redes. Saído Costa Pereira, todos pensaram: o Inter tem a vitória na mão. E prepararam-se para saborear mais golos. Ao invés, a partida terminava, nesse momento, para a equipa de Milão. Porquê? Porque o Benfica, essa maravilhosa equipa, atualmente a mais forte da Europa, não quis render-se ao inelutável, e fez um apelo ao seu desmesurado orgulho, lançando-se para a frente, de cabeça erguida, indo buscar forças ao fundo do coração e da alma».
O futebol traiu o Benfica. O cattenaccio era rei. J.L. Manning, jornalista do Daily Mail: «Com tudo contra si, o Benfica teve uma atuação memorável em S. Siro. A Taça da Europa foi, no entanto, entregue a uma equipa de Milão pela terceira vez. Mas esta vitória não tem qualquer justificação, desobedecendo a todos os princípios que deveriam balizar um torneio de futebol. Os portugueses foram derrotados por um golo de acaso que nunca teria sido marcado num campo em condições regulares. E durante a última meia hora suportaram ainda a falta do seu guarda-redes. Ninguém poderá dizer que este jogo se moveu pelas regras da justiça! O Benfica tinha razões suficientes para se queixar da decisão da UEFA de marcar o jogo para o estádio do Inter. Mas presenteá-lo, ainda por cima, com uma sepultura inundada, foi um verdadeiro insulto. O jogo deveria ter sido adiado». A história de uma final vergonhosa contada pelos outros. Ninguém pode trazer aqui a palavra chauvinismo. O futebol mudou para sempre. Perdera a inocência.