Por Carlos Encarnação
Sim, nós sabemos que o Governo foi constituído há cerca de um ano dispondo de maioria absoluta.
O princípio da estabilidade institucional aconselha um especial cuidado.
A responsabilidade do exercício dos poderes do Presidente da República exige ponderação.
A guerra, a crise económica, a instabilidade social, tornam complexo o momento.
Ficando por aqui, o Governo poderia estar tranquilo que ninguém o perturbaria durante os três outros anos que a legislatura comporta. Poderia ser tentado a dormir o sono dos justos.
Alguns defensores do Governo, dando um passo em frente no argumentário, salientam ser apenas a vontade de poder que fomenta a instabilidade e multiplica os fatores de pressão.
Ora, está longe de ser assim.
A verdade é que não há um grande tema nacional com solução desde os últimos sete anos de Governo.
E há mesmo vários particularmente afrontosos no que diz respeito à capacidade de encontrar soluções.
Não apenas porque definiram orientações e prometeram o futuro ao virar da esquina e ele não apareceu, mas porque se percebeu com clareza a sua incapacidade.
Mais, ainda, pelo perfil dos ministros, a sua especial vertigem e o modo como transformaram a ação governativa numa sucessão de golpes e contragolpes, no exercício da mentira e da manipulação e na irreprimível fuga para o desastre.
Foi a área das Infraestruturas a particularmente atingida.
O dossier da escolha do aeroporto foi a centelha.
O tema TAP é o incêndio.
Estranhamente, parece ignorar-se a responsabilidade primeiro-ministro.
Uma e outra vez se acentuou a sua distração, o seu alheamento, a sua ignorância dos detalhes.
Os dois assuntos significam uma inadmissível ligeireza na admissão de prejuízos significativos para o país.
Não havia guerra durante os últimos anos, nem crise económica, nem instabilidade sociolaboral.
E, todavia, o impossível aconteceu.
Regressámos ao ponto de partida com mais perdas, mais dinheiro gasto, mais incompetência.
Quererá o país continuar assim?
Até quando poderá um simples secretário de Estado, mesmo crismado como cérebro de um ministro, identificado em sucessivos comportamentos inadmissíveis, acabar como o factotum opus, a raiz do mal, o lixo governativo?
Transformá-lo em alvo é o jogo da árvore e da floresta.
A controvérsia sobre os momentos inacreditáveis destes temas só serve para tentar ajudar a esquecer o essencial.
Tal com os anúncios sucessivos de grandes planos para a saúde, para a habitação, para a economia.
Cada um deles tenta apagar da memória as promessas sucessivas: os médicos para todos, a casa para cada um, o crescimento.
Com a maioria absoluta, as promessas foram substituídas pelos planos da pólvora.
A verdade é que com a esquerda unida a fiscalização foi frouxa ou ineficaz.
Sobrou a fixação no inimigo do regime.
Talvez a mais importante invenção.
O que importa é canalizar para a insatisfação radical o travão à alternativa.
E, ao primeiro-ministro basta perguntar, em cada debate, se é esse o caminho que os portugueses desejam.
Se é esse que querem associado a outrem.
Assustados, tremem-lhes as pernas como a imagem pedronunista das dos banqueiros alemães.
E o Presidente espera, e o país aguarda, e a democracia pena de exemplar.
É a mumificação do governo.