por Luís Castro
Jornalista
Pequim é amoral, não julga os outros regimes. Mas, se a economia é indiferente e não conveniente, já a tecnologia ainda não é neutra. Os Estados Unidos são tecnologia e ideologia, porque exportam o seu modelo de democracia liberal, já a China é tecnológica e económica, porque não quer impor o seu padrão político. A disputa entre chineses e americanos é pela tecnologia e hegemonia, mas há uma Europa que não quer entrar nessa disputa ou tornar-se vassala dos Estados Unidos. Está em causa a sobrevivência económica do velho continente.
A Europa está cansada de guerras, sente que pode acabar uma era de bem-estar que durou décadas e está cada vez mais envelhecida e dependente. Veio a crise das dívidas soberanas e admirámo-nos que dependíamos dos mercados. Surgiu uma pandemia e demo-nos conta que dependíamos dos dispositivos médicos que vinham da China. Depois, a guerra voltou à Europa e, afinal, estávamos dependentes das energias e cereais da Rússia. Agora, estamos ainda mais dependentes dos Estados Unidos e da China.
Se a América tem a sua economia assente num mercado interno forte, a Europa depende do mercado chinês, o que justifica o corridinho de líderes europeus para Pequim. O que Emmanuel Macron fez foi mostrar que separa a geoeconomia da geopolítica. O Presidente francês levou com ele sessenta empresas, já o chanceler alemão, Olaf Scholz, apenas doze, o que não lhe deu direito a ser convidado para um chá em Guangzhou, a megacidade industrial no coração da economia chinesa voltada para a exportação.
Emmanuel Macron sabe que não há vazios de poder e que a França é a única potência nuclear do continente europeu, para além de também a única com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Presidente francês não esconde que quer uma Europa que siga o seu caminho, sem que vá ao ritmo imposto pelos EUA. Não era necessário ter dado a entrevista aos jornais Político e Les Echos para percebermos que a Europa fala a duas vozes e que Macron se vê no papel de Merkel. Recorde-se que, já em 2019, pouco antes de deixar o cargo de chanceler, em entrevista ao Süddeutsche Zeitung, Angela Merkel alertava para a necessidade da Europa se reposicionar para enfrentar os seus maiores rivais globais: China, Rússia e EUA.
Enquanto cresce a tensão no Pacífico, o mundo começa a perceber que um conflito armado por Taiwan nos mergulhará num desastre. À pressão política dos Estados Unidos, a China reage militarmente e de forma cada vez mais agressiva. Os americanos sabem que a vantagem tecnológica que têm no mar, no ar e no espaço não vai durar para sempre e, por alguma razão, Xi Jinping já definiu 2027 como data-limite para a tomada de Taiwan, mesmo com Joe Biden a garantir que dará ordem de combate se tal acontecer. Mas, Emmanuel Macron não quer a Europa envolvida em mais uma guerra porque, diz, podemos acabar como uma ‘pinça’ entre as duas superpotências.
Passou despercebida a declaração do comandante do Comando naval dos Estados Unidos no Indo-Pacífico, durante uma palestra em Singapura. O Almirante John Aquilino mediu as palavras antes de dizer para uma plateia de líderes globais, diplomatas e empresários que Washington não está a pressionar os países da região para que escolham de que lado querem estar – se dos americanos ou dos chineses –, mas que é importante que falem a uma só voz, forte e clara, o que é praticamente o mesmo.
Diz a sabedoria chinesa que é mais fácil alguém perder-se quando acha que sabe o caminho, mas também que convidar alguém para chá é sinal de união e prosperidade. O que poucos sabem é que o anfitrião costuma dar muita atenção aos primeiros três goles do convidado: se o primeiro prepara o paladar para receber todos os sabores do chá e o segundo serve para sentir os aromas, já o terceiro faz apreciar os outros dois como um todo. Pelas imagens, Macron bebeu os primeiros dois e Xi Jinping bebeu o terceiro, ou seja, o Presidente francês recebeu os sabores e tomou-lhe o gosto, mas quem os misturou e ditou o paladar foi o Presidente chinês.