«Assim, não há nada de mais excitante para a multidão do que o pontapé enfático dado a um vencido».
(Roland Barthesl,1957, p. 15)
por Fernando Matos Rodrigues
Antropólogo, Investigador CICS.Nova_UM / LAHB
A política portuguesa vive um período de grande conflito social, de grande instabilidade governativa, por causa de um governo “assistencialista” e neoliberal que teima em não escutar as vozes da razão, mas que conta com o apoio de uma maioria “zombie” e submissa na Assembleia da República. Deputados eleitos pelos círculos que deviam ser os guardiões das liberdades democráticas transformarem o Parlamento numa espécie de reality show.
Ao actual governo imputamos vários problemas e doenças crónicas que lhe afectam a credibilidade e legitimidade governativa: i) a incapacidade de liderança do primeiro ministro, ii) a impreparação dos seus ministros, iii) a falta de sentido de estado dos seus governantes, iv) o primitivismo ingénuo da comunicação. Todos os implícitos estão presentes no caso Tap, nas urgências dos hospitais, nos problemas da educação.
Como consequência desta incompetente e promíscua governação, o país e a nação assistem em directo à decomposição do estado, com destaque para a degradação dos serviços públicos. Nada funciona, nada responde com a prontidão que as necessidades e urgências dos cidadãos portugueses exigem. Nada funciona porque este primeiro ministro não funciona como o líder que era suposto ser.
A vida política nacional ao encontrar-se em estado de coma, não reage, não mobiliza, não provoca nem se afirma com coragem e criatividade. O que temos é incompetência governativa, mediocridade política no parlamento e na acção parlamentar, mais discursividade e comentário na Presidência da República quando precisávamos de seriedade e de clarificação na política portuguesa.
O governo caiu num estado de decomposição linear, que conduziu a política portuguesa para uma espécie de «pântano político» que remeterá para a antecâmara do regresso aos populismos de toda a espécie. Este governo ao desgovernar por desleixo, arrogância e mediocridade conduz-nos para uma situação de insuportável relativismo político, com a cumplicidade do Presidente da República, transformado num espectador comprometido com a desgovernação deste socialismo “fofinho” de António Costa.
Um governo socialista que não rompe com os programas impostos pelo neoliberalismo de Friburgo e da Escola de Chicago de Milton Friedman, plasmados no “Memorando da Troika” que este governo aplica de forma acrítica e disciplinada. Um governo que se dizia reformista, mas que não passa de um governo resignado, remediado e frouxo no combate às injustiças sociais e económicas, espaciais e ambientais.
Portugal vive numa situação de crise cíclica induzida por decisões políticas que estão reféns de um capitalismo financeiro globalizado, comandado a partir dos diretórios do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Que impedem o recurso a políticas anti cíclicas de intervenção na economia nacional e capazes de alavancar mais coesão social e mais justiça laboral.
A sociedade portuguesa reclama mais Estado Social, mais regulação, mais distribuição, mais democraticidade e equidade fiscal, mais mobilidade social, mais investimento público nos serviços e na economia de bens de produção; o governo e as instituições do estado estão resignados à incompetência e às consequências trágicas da aplicação das “receitas” neoliberais. Perante os problemas concretos (habitação, saúde e educação) limita-se a anunciar umas quantas medidas assistencialistas que não resolvem os problemas das injustiças criadas por duas décadas de desregulação política, de desmantelamento do estado e dos serviços públicos (na Saúde, Educação, Habitação, Ambiente, Segurança Nacional e Coesão Territorial).
Estamos novamente perante o reconhecimento da liberdade de protesto, com destaque para a luta dos professores, dos médicos, dos enfermeiros, dos auxiliares de educação, dos policias. As classes médias ocupam novamente as ruas, as praças e as cidades e reclamam dos governantes: «Respeito»!
Neste contexto poder-se-á colocar a questão da legitimidade política deste governo e deste primeiro ministro. A má governação, o desleixo, as trapalhadas, as aldrabices e incompetências podem levar à sua queda. Não podemos naturalizar a incompetência governativa, arrastado a situação para um impasse político que colocaria em causa a alternância democrática.
A legitimidade política de um governo não se afirma pela retórica das suas proclamações, mas pela sua capacidade transformadora e mobilizadora da sociedade e das suas instituições em benefício de todos os portugueses. A acção reformista deve implicar todos e todas, num processo de base democrática participativa e colaborativa rumo a uma sociedade justa, digna e fraterna.