Ia a rapaziada do Benfica muito alegre e lampeira com as suas berrantes camisolas vermelhas, felizes como garotos que vão apanhar miosótis num campo de gipsofila quando, de repente, se abriu um buraco na sua frente e a brincadeira descambou numa cratera que ainda estamos para ver se tem fundo ou não. O tropeção foi de tal ordem inesperado e violento que os adeptos estão confusos sem saberem ao certo no que acreditar. Duas jornadas duas derrotas; duas derrotas seis pontos perdidos. A confortável vantagem de dez pontos para o FC Porto e que dava quase para encomendar faixas de campeão é agora de apenas quatro pontos. Pior. Como sempre acontece em situações semelhantes, o descrédito invadiu as muralhas da Luz. Quem perde quatro pontos em duas jornadas quantos ainda pode perder nas seis que faltam para acabar o campeonato? Convenhamos: a força, a crença, a satisfação pelo dever cumprido, mudou de campo. Está agora do lado dos portistas que de destinados a tentarem garantir o segundo lugar e o acesso direto à Liga dos Campeões sentem agora que com a pressão que tombou sobre os ombros do seu adversário têm todas as condições para voltarem a ser campeões. Sinceramente não sou de apostas como nos velhos livros de cowboys mas se fosse o Texas Jack não metia nem um cêntimo singelo contra dobrado neste Benfica que se está a suicidar alegremente a pontos de, imagine-se!, perder em Chaves um jogo que era, por assim dizer, imperdível. Vendo bem, aquele Benfica de Chaves não parece ter consistência para ir ganhar a Alvalade (embora o Benfica em Alvalade seja uma espécie de FC Porto na Luz) nem mesmo derrotar o Braga em casa. Com sinceridade vejo o troféu de campeão mais nas mãos de Sérgio Conceição e da sua gente do que nunca até agora. Não porque joguem enormidades mas porque a depressão da águia é tão escandalosa que não se cura com uma dose de diazopan.
Deixo de lado a Liga dos Campeões. Propositadamente. É um mundo à parte. Fica muito bem acreditar que um clube português possa chegar no mínimo às meias-finais mas não passa de um castelo de areia que uma onda mais forte derruba sem custo. Nesse aspeto não há muito a dizer: o Benfica cumpriu o seu papel, foi até mais longe do que seria de esperar, conseguiu voltar a despertar o interesse da Europa por um nome que fica para sempre assente entre os mitos das competições da UEFA mas fica provado, mais uma vez, que a inevitabilidade de vender jogadores tem custos desportivos muito altos – ao ver, na Luz, o confronto contra o Inter pensei que falta fez Darwin numa partida com aquelas características. Enfim, a realidade é dura e não há como tentar dourá-la. E as arbitragens prestam vassalagem aos poderosos, como vimos.
O suicídio
Não vencer este domingo na Luz (18h00) o Estoril não será mais um tiro nos pés e sim um tiro na cabeça. Mas, tirando uma intervenção de Rui Costa (que tem uma granada em mãos – se depois de gozar de dez pontos de avanço o Benfica atingir o fim da época sem ganhar nada como manter Schmidt a treinador? A imagem de perdedor ficará colada ao treinador alemão como um bocado de pastilha elástica a uma sola de sapato) não dá ideia de ver ninguém a preocupar-se verdadeiramente com o tal buraco negro em que o Benfica caiu. Escrevi aqui, a devido tempo, que estranhei a leveza com que toda a gente pareceu aceitar o afastamento da Taça da Liga (pelo Moreirense!) e da Taça de Portugal. Houve tempos que a memória já perdeu em que, no Benfica, os treinadores eram despedidos por não ganharem a Taça dos Campeões. Obrigatoriamente, a exigência teve de ir baixando com o tempo. Mas como todas as grandes equipas dos grandes clubes, na Luz continuava-se a querer ganhar tudo nem que fosse a saudosa Taça de Honra. Agora vejo gente demais a encolher os ombros sempre que mais um troféu vai parar às vitrinas dos adversários. Percebemos todos que a virtude maior de Roger Schmidt pode ser também o seu maior problema – só sabe compor o conjunto para ganhar mesmo quando, por vezes, perante a impossibilidade da vitória manda dizer o bom senso que um empate é um luxo (teria sido frente ao FC Porto). Haverá aquele grupo de incorrigíveis otimistas que olharão para a tabela da classificação e dirão – em seis jogos o Benfica ainda se pode dar ao luxo de perder mais um ou de empatar dois. Responderão os realistas – exibições como as mais recentes, sem criatividade, sem alma, sem garra, sem espírito de conquista, não garantem nenhuma dessas premissas. E há uma verdade insofismável que paira sobre a águia: perder este campeonato será um dos momentos mais baixos de toda a história centenária do clube. Até porque já esteve ganho.