“Turismo e emprego mantêm resiliência da economia”

Fernando Medina mostra-se otimista em relação ao comportamento da economia portuguesa, mas analistas contactados pelo Nascer do SOL mostram-se reticentes e deixam alertas.

A economia portuguesa prospera, promete o Governo. O Executivo apresentou esta semana o Programa de Estabilidade (PE) revendo em alta o crescimento da economia mas também a inflação. Esta quinta-feira, no Parlamento, o ministro das Finanças defendeu o documento. «A economia portuguesa registou um comportamento bastante melhor no último trimestre de 2022 do que o esperado e, sobretudo, está a registar já no primeiro trimestre de 2023 um crescimento ainda mais forte, com um crescimento em cadeia que se estima que tenha sido de 0,6%», disse Fernando Medina, dando destaque ao setor do turismo e ao setor exportador que está «a crescer a níveis bastante acima do que eram os níveis que cresceu num passado muito recente e estão a contribuir para o crescimento da economia».

O Nascer do SOL tentou perceber a opinião de especialistas sobre o documento. Para o economista Paulo Rosa, do Banco Carregosa, é claro que «a dinâmica positiva do setor turismo e o aumento da população empregada, já muito perto dos cinco milhões, mantêm a resiliência da economia portuguesa e permitem ao Governo uma revisão em alta do crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] para 2023 de 1,3% para 1,8%, no atual Programa de Estabilidade face ao Orçamento do Estado para 2023».

E acrescenta que o contributo do consumo privado para o crescimento económico «é revisto pelo executivo em ligeira baixa de 0,7% para 0,6%, mas é mais do que compensado pelas contas externas, esperando agora o Governo um maior contributo das exportações, passando de 3,7% para 4,3%, e uma diminuição do peso das importações de 4% para 3,7%, corroborado pela queda do rendimento disponível das famílias, devido à inflação elevada e à subida dos juros».

O economista explica ao nosso jornal que «o melhor contributo das exportações está em boa medida alicerçado na expectativa de um melhor desempenho do setor do turismo», acrescentando que entretanto o Executivo também reviu em alta os gastos públicos de 2,3% para 2,6%, «mais uma variável que sustenta a revisão em alta para 1,8% do crescimento do PIB em 2023».

Também a inflação foi revista em alta «refletida no Orçamento do Estado para 2023, para 5,1% no atual Programa de Estabilidade (PE). Se por um lado, esta pior perspetiva deteriora ainda mais os rendimentos das famílias, validando o menor contributo do consumo privado e a queda das importações, por outro, corrobora a descida do défice orçamental de 0,9% inscrito no documento para 0,4% apresentado agora no PE, ou seja, uma melhoria do saldo orçamental negativo, em boa parte sustentado pela provável aceleração do crescimento do PIB nominal, impulsionado por uma inflação mais elevada».

E defende que os preços no consumidor mais elevados «melhoram os rácios das contas públicas, tendo em conta que o rácio do défice orçamental e o da dívida pública são medidos em função do PIB nominal e quanto maior este for, mesmo que os gastos e a dívida se mantenham, maior será a diminuição destes rácios».  

Já na opinião de Henrique Tomé, analista da XTB, «é natural que as projeções económicas estejam constantemente a serem revistas, tendo em conta a atual conjuntura económica incerteza a que vivemos». No entanto, considera o analista, «as projeções do Governo parecem otimistas, uma vez que, a inflação em Portugal continua a ter dificuldades em abrandar ao ritmo desejado. A inflação elevada deverá ser uma consequência grave e terá impacto na atividade económica – nomeadamente, no crescimento do PIB, resta saber se o impacto vai ser este ano ou no seguinte».

Henrique Tomé lembra, no entanto, que o documento apresentado pelo Governo consta uma contradição. E explica qual: «Se por um lado, o Governo reviu em alta o crescimento da economia portuguesa para este ano, por outro, reviu também em alta as projeções sobre a inflação. Esta suposta ‘contradição’ poderá estar a ser impulsionado pela continuação do aumento dos preços e não pelo aumento da produção real», lembrando o caso do ano passado, em que o «crescimento económico no país foi motivado pelos efeitos base e por via da inflação elevada».

 

Crescimento económico

Nas contas do Governo, o crescimento económico não chega a 2% ao ano e há 13 países na UE, no total de dois anos. Portugal deixa então de ser o bom aluno? «Um crescimento económico anémico nos próximos anos é uma tendência das economias avançadas, tanto das economias mais robustas da União Europeia, bem como dos EUA, conforme detalhado pela Reserva Federal norte-americana», defende o economista do Banco Carregosa, acrescentando que, no entanto, «as economias que entraram na União Europeia nos últimos 10 ou 20 anos, tais como as economias do leste europeu, fazem o seu caminho de convergência com a UE, apresentando taxas de crescimento mais elevadas, impulsionadas por bases mais baixas, contas públicas em ordem e crescimento da população».   

Ainda que o Fundo Monetário Internacional (FMI) fale num crescimento de apenas 1% este ano, o economista diz que «o turismo e o crescimento da população empregada suportam uma alta do PIB real».

Na apresentação do PE, o ministro das Finanças referiu que o crescimento se deve principalmente ao bom desempenho das exportações. Questionado sobre se esta será uma tendência a manter, Paulo Rosa diz que «é provável que o setor do turismo continue a mostrar a sua resiliência nos próximos anos, impulsionando a economia portuguesa, mas é um erro alicerçar uma economia num setor exclusivamente de serviços centrados na movimentação das pessoas, mesmo que estes sejam competitivos extra-preço», defende o economista, acrescentando que a guerra na Ucrânia «deslocalizou algum turismo do leste europeu para países como Portugal, e com o final da guerra esse turismo poderia abrandar».

Acrescentando que «a nossa dependência do turismo mostrou a bem a nossa fragilidade aquando da pandemia e consequente distanciamento social», Paulo Rosa defende também que a economia portuguesa «deve estar mais dependente de bens competitivos extra-preço e que sejam influenciados pelo maior ou menor distanciamento social».  Sobre a previsão do Governo de que o défice orçamental baixe para 0,4% este ano e que continue a cair, Paulo Rosa refere que «se a inflação continuar bem acima dos 2%, um maior crescimento do PIB nominal suportará melhorias no défice orçamental e no rácio da dívida pública».

 

Inflação cresce

O PE reviu ainda em alta a inflação para este ano para os 5,1%, acima dos 4% previstos em outubro. Que consequências tirar daqui? Vítor Madeira, analista da XTB, defende que «pode aumentar a desigualdade entre a população», acrescentando que «sempre que os preços sobem e rendimentos não acompanham em igual proporção haverá perda de poder de compra para esses, já por outro lado haverá quem aumente os seus rendimentos acima da inflação e esses beneficiarão da subida dos preços».

Então não vamos ver os preços baixar tão cedo? o analista diz que «baixar será muito difícil, vamos dizer estabilizar ao ponto de as subidas serem residuais, tal ainda vai demorar, diria pelo menos 18 meses, a não ser que a economia entre numa recessão profunda que faça os preços descer».

Fernando Medina defendeu também que os juros deverão estabilizar em níveis superiores. E o analista da XTB diz que espera que «as taxas de juro de referência do BCE subam na próxima reunião em 0,5% e que haja uma nova subida na reunião seguinte de, pelo menos, 0,25%. Ainda estamos longe de descidas nas taxas de juro, as mesmas poderão estabilizar após esses dois aumentos tudo dependerá da evolução da inflação, segundo as informações do BCE».

Quanto ao facto de o Governo ter dito que os ganhos salariais estão a subir acima da inflação, Vítor Madeira questiona: «Não temos dados de 2022, como vamos saber?».