Chega de futricas

Luís Montenegro disse na CNN o que 15 dias antes tinha dito em Bruxelas e que na semana anterior dissera ser falso e especulativo. Era verdade

Luís Montenegro, em discurso proferido perante os seus pares do PPE em reunião realizada à porta fechada em Bruxelas na véspera do último Conselho Europeu, defendeu que os partidos membros não deveriam fazer qualquer tipo de acordo com forças políticas de extrema direita. E nomeou os casos de Giorgia Meloni em Itália, e de Marine Le Pen em França, deixando claro que,  em Portugal, o PSD por si liderado admitirá estabelecer pontes com o IL e o CDS, incluindo coligações formais pré-eleitorais, mas jamais o fará com o Chega, seja sob que forma for (nem acordo de Governo, nem meramente de incidência parlamentar à imagem do que foi feito nos Açores).

Ficou traçada a linha vermelha, de forma clara e inequívoca.

Por isso, o Nascer do SOL fez notícia dessa intervenção, com chamada de primeira página na edição imediatamente seguinte (31 de março), acrescentando que Montenegro iria tornar pública a sua posição nos ‘próximos dias ou semanas’.

Em conferência de imprensa no final da reunião da comissão permanente do PSD  três dias depois (3 de abril), Luís Montenegro desmentiu a notícia, considerando-a «só especulações», e negou tanto a sua substância como o calendário para o anúncio.

O líder do PSD centrou essa conferência de imprensa no facto «inaceitável» de o «CFO da TAP ter mentido ao Parlamento». «Quero daqui instar o senhor ministro das Finanças e o senhor primeiro-ministro a tomarem uma posição acerca da falta à verdade do depoimento dado na comissão parlamentar de inquérito por este responsável», afirmou Luís Montenegro, considerando que esta «falta à verdade» num inquérito parlamentar «inviabiliza a assunção das condições exigidas para o cumprimento da tarefa».

Pois é, semana e meia depois, Montenegro pôs o seu ar mais solene e convicto numa – aliás, boa – entrevista à CNN para esclarecer de uma vez por todas: «Quero garantir uma coisa aos portugueses: não vamos ter no Governo nem políticas nem políticos racistas, nem xenófobos, nem oportunistas, nem populistas – ou apoio político, se quiser». Assim, sic.

As ‘especulações’, afinal, bateram todas certinhas com a realidade.

Com o Governo no estado em que está – e dificilmente já se endireita –, começa a acreditar-se que Luís Montenegro é o senhor que se segue, seja lá quando for.

A alternativa afirma-se pela diferença e por uma forma de fazer política diferente. Ora, ao líder da Oposição não fica mesmo nada bem ser tão descaradamente apanhado em contradita em tão curto período de tempo, apesar de sabermos que na política dos dias que correm isso ‘não inviabiliza a assunção das condições exigidas para o cumprimento da tarefa’.

Por isso, Montenegro tem muito urgentemente de atalhar caminho, para não continuar a deixar-se enredar nas mesmas malhas da desqualificação e incompetência política em que caíram outros líderes partidários (incluindo o seu antecessor) e vão caindo em catadupa ministros e secretários de Estado do Governo PS.

O problema está longe de se resumir a este retângulo à beira do Atlântico. A falta de líderes políticos dignos da causa pública é um mal mundial e tão grave como doença mortal, já há muito diagnosticada, mas ainda sem vacina nem terapêutica eficaz e sem contraindicações.

Prosseguindo na metáfora, estamos na política no mesmo estádio da Coimbra do desencanto e de quem até se esconde o Mondego, já esquecido como ‘Rio dos Poetas’ e já nem lembrado como ‘Bazófias’.

Tudo já era nessa capital de distrito à qual a História deu a justa classificação de Cidade do Conhecimento, pela sua tão antiga e conceituada Universidade. 

Diz a tradição que Coimbra era a cidade dos doutores e dos estudantes e depois havia os futricas.

Ora, como observa com tristeza mui ilustre e douta eterna amante de Coimbra, nas últimas décadas, transformou-se esta numa cidade de futricas, entre os quais se incluem estudantes e professores, com honrosas (e a Academia, felizmente, tem um vasto leque de destacados cientistas, investigadores e docentes de renome e reputação internacional), mas também desonrosas exceções (como estas do Centro de Estudos Sociais, que não devem confundir-se com a Academia no seu âmago, que está ferida e magoada, mas também obrigada a reagir).

Coimbra, como num final de Queima das Fitas, ressaca. Como a política.

A cabra devia tocar a rebate para afastar os machos que não têm outro nome e que a abafam.

Vale que há mulheres com coragem para não se calarem nem se limitarem a encolher os ombros como o fizeram, sem pejo, as eméritas feministas do burgo («O professor é brilhante mas tem essas coisas»???).

E faltam homens. Mas não futricas – esses, sobejam.

É preciso que haja alternativa sem tibiezas, com pulso e com rumo.

Quando assim é, o Povo nunca tem dúvidas. E raramente se engana.