Quem quer morrer por Portugal

Desconfio sempre quando me atiram números para dar grandeza aos propósitos. A grandeza não é pelo que se diz, mas pelo que se faz. 

Por Luís Castro, jornalista

Adriano Moreira lembrava que a Pátria «é um dever entre o berço e o caixão – que não se escolhe, acontece. Que tanto é legítimo amá-la, como renegá-la, mas é preciso entendê-la para que não se torne estribo, peso ou estorvo. Porque ninguém tem o direito a tentar a sua destruição, sobrepondo-lhe partidos, ideologias ou interesses pessoais. A Pátria é memória, é um inventário secular de homens e mulheres, não o resultado de ocasião ou acidente.

O último dos grandes senadores escreveu O Novíssimo Príncipe – Análise da Revolução para que pudéssemos ter uma visão clara, objetiva e rigorosa sobre o 25 de Abril de 1974. Adriano Moreira também esteve na linha da frente contra a decisão do governo de Passos Coelho de abolir o feriado do 1.º de Dezembro, porque, como lembrou, «não há nada mais importante para uma nação do que a sua independência. Não há nada mais importante para um povo do que a sua liberdade. Por isso, o 1.º de Dezembro é o mais importante de todos os feriados nacionais (…) sem o qual nenhum outro existiria».

Quantos portugueses sabem o que representou a manhã de 1 de dezembro de 1640 e a madrugada de 25 de Abril de 1974? A Liberdade não é gratuita e durante séculos pagou-se com vidas humanas. Valeu à nossa existência todos aqueles que deram a vida pela Pátria e voltará a valer a pena se assim tiver de ser. Mas, quantos de hoje estarão disponíveis para lutar e morrer, se necessário for, pela nossa Pátria?

Os sucessivos governantes e Presidentes da República – alguns nunca foram à tropa ou fizeram-na por poucos meses –, têm-se esquecido dos seus soldados. Já são apenas vinte e dois mil os homens e mulheres em efetividade de serviço e a ministra da Defesa anuncia que vão ser feitos estudos para saber as razões que os levam a querer abandonar as Forças Armadas. Na verdade, não são necessários estudos, basta que oiçam os militares, os mil e quinhentos que saíram durante o ano passado, e os poucos que ainda estão disponíveis a morrer pela Pátria, aqueles a quem o Pentágono reconhece que têm o que os soldados americanos não têm: coração e cabeça e um enorme respeito e reconhecimento que fica por onde passam.

Os jovens de hoje não querem compromisso, eles procuram mobilidade e conectividade. Não querem ficar presos a um contrato mal pago e onde não os valorizam. Em parte, é o que as Forças Armadas portuguesas lhes oferecem: anos zero, onde atrasam as suas vidas, alguns dos cursos pouco lhes servem na vida civil com um mercado de trabalho cada vez mais exigente, salários baixos, falta de formação e progressão. É preciso encontrar o que os mais novos querem e o que as FA lhes podem oferecer, embora não seja fácil acertar o passo entre o compromisso e o descompromisso. 

Esta semana, a ministra da Defesa apresentou o novo Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar com vinte e cinco medidas e oitenta e duas ações. Desconfio sempre quando me atiram números para dar grandeza aos propósitos. A grandeza não é pelo que se diz, mas pelo que se faz. Uma coisa é certa, Helena Carreiras não tem desculpas – esta é uma das suas áreas de investigação – e já disse o que pensa, em entrevista à SIC, em maio do ano passado: «O que leva os jovens a não ficar é a perceção de falta de valorização profissional e de qualificações».

Mais de metade dos portugueses não se oporia ao regresso do Serviço Militar Obrigatório, segundo um estudo feito há um ano pela Universidade Lusófona. Não julgo que seja por aí o caminho. Não se formam bons militares obrigados e contrariados. O SMO não responderia às necessidades estratégicas das Forças Armadas que necessitam de militares qualificados e motivados, também pelo exemplo de outros câmaras que puseram as suas vidas em causa em missões por todo o mundo onde foram empenhados nos últimos anos.

Admito que a história militar portuguesa do final do século passado seja desconhecida para a nova geração de jornalistas, mas não o deve ser por generais e almirantes que a viveram no terreno. Vão passar vinte e cinco anos do regresso dos militares portugueses a Timor-Leste (1999) com o fantástico serviço prestado pela GNR e pela engenharia do Exército; estão a passar vinte e cinco anos do resgate dos portugueses no antigo Zaire (1998), com os fuzileiros enviados para o rio Congo; daqui a pouco mais de um mês passam outros tantos daquela que terá sido a maior operação de sempre dos três ramos das FA, resgatando portugueses e promovendo as conversações de paz que parou os combates entre os homens de Nino Vieira e Ansumane Mané, na Guiné-Bissau. Em todas estas guerras estive lá, mas continuo a evocá-las sozinho. A memória também está a ficar curta entre os militares.