Por José Maria Matias, aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
Compete ao Governo, governar. Compete à oposição, escrutinar. Esta é uma máxima da Democracia que não pode ser colocada em causa. Uma oposição deve reger-se pelo combate livre, leal e democrático ao Governo. Se no passado recente, vimos a falta que faz uma oposição à direita como no tempo de Pedro Passos Coelho, o que viria a permitir um crescimento perigoso da extrema-esquerda nas eleições de 2015, hoje corremos o risco de ver as consequências de colocar a oposição a discutir outras coisas que não, o combate ao Governo.
O PSD não pode querer combater o Chega e o PS ao mesmo tempo. Sempre que o fez, perdeu. Como tal, a pergunta mais importante do momento, nunca foi que tipo de coligação, entendimento ou acordo deverá sair de um possível governo do PSD, fruto de uma eleição que ainda não aconteceu e que ninguém sabe quando será, consequência de um resultado que ninguém sabe o que determinará.
Aliás, discutir com quem o PSD se entenderá, é aquilo que mais interessa ao PS. Enquanto discute-se a fórmula de um governo que só existe na imaginação, não discutem a TAP, a educação, a estagnação económica, a falta de médicos, a degradação dos serviços públicos, o combate à inflação e a sucessão de casos de um governo muito fragilizado politicamente e que não tem condições para permanecer em funções. A discussão de governos imaginários, tornou-se uma das maiores fantasias para a permanência do PS no poder.
Mais, no próximo ano teremos eleições europeias, aqui teríamos um teste político decisivo para compreender a vitalidade do presente ciclo político. No entanto, a bolha política prepara-se para colocar como tónica fundamental para a discussão dessa eleição, com quem é que o PSD irá entender-se em 2026 e não o que é que o PS terá feito até 2024. Preferem julgar um futuro que ainda não aconteceu, do que um passado que todos sabemos bem as consequências. Como é que é possível?
Simultaneamente, Montenegro parece viver em negação. Todos os indicadores mostram que só existe uma maioria à direita contando com o Chega, mas ele recusa. É legitimo, mas torna praticamente impossível garantir a governabilidade porque para isso precisaria de duas coisas difíceis: precisa de ser o partido mais votado e possivelmente precisa que o PS lhe dê o aval para a governação. Ou seja, Montenegro teria de contar que António Costa ou outro líder do PS, tivessem os ‘escrúpulos’ à sua esquerda que Montenegro diz ter à sua direita. Chega a ser anedótico acreditar nisto porque todos sabemos o que é a geringonça. Ou então, no limite, precisaria dos votos daqueles que tem vindo a repudiar, para conseguir viabilizar um governo. Quanto mais voltas damos, mais percebemos que o centro-direita continua a querer contornar a realidade até que esta se vergue à sua ideia, sendo que tal não acontece. Podem vir a querer os votos do Chega, mas não querem os seus representantes, as suas preocupações, ou as suas propostas
Por algum momento, Luís Montenegro equacionou a hipótese de que talvez, pudesse fazer à direita aquilo que António Costa fez à sua esquerda? Não sei. Será que o PSD desistiu de lutar por uma igualdade de planos entre a esquerda e a direita no regime? Porque se o fez, arrisca-se a deixar de ser o grande partido à direita do PS e talvez mereça. Até diria mais, parece-me que o Chega está mais perto de vir a ultrapassar o PSD, do que o PSD conseguir ultrapassar o PS. Quem vive com o trauma do passado, com a cabeça num futuro e esquecendo o presente, já perdeu. Quem tem medo de perder o que não conquistou, na verdade, já perdeu tudo.