E, num repente, António Costa foi precipitadamente recolocado num pedestal como exímio manobrador político que levou Marcelo Rebelo de Sousa ao tapete.
A jogada da não aceitação da demissão de João Galamba para mostrar ao Presidente que é ele, primeiro-ministro e líder do PS, quem manda no Governo podia até ter uma leitura imediata favorável a Costa, se comparável à decisão de Passos Coelho de ter ‘obrigado’ Paulo Portas a revogar o irrevogável.
Só que é um equívoco.
Enquanto Passos pôs Portas no lugar, retirando-lhe espaço de manobra e reforçando a sua autoridade enquanto primeiro-ministro e líder da coligação e, como assim, ganhando estabilidade governativa, independentemente de Belém, Costa viu o prazo de validade da sua maioria absoluta ficar reduzida, como se diz na gíria futebolística, ‘à condição’ – porque fica totalmente dependente do PR.
O folhetim TAP vai continuar – o problema deste Governo é estrutural, já não tem emenda – e Marcelo Rebelo de Sousa, com esta afronta de António Costa, ficou com a faca e o queijo na mão.
Marcelo foi apanhado de surpresa e encaixou um valente sopapo que o fez abanar? É verdade.
Mas levantou-se de imediato e deixou António Costa a dançar à sua frente, sem guarda, indefeso e dificilmente capaz de voltar à carga – ficando só a faltar saber-se quando receberá o golpe fatal do seu até agora maior aliado e a partir daqui mais perigoso adversário.Marcelo, como disse ontem, vai estar atento e vigilante.
Costa, mesmo com maioria absoluta, não conseguiu atrair para um Governo com um horizonte de quatro anos gente com qualidade política, ideias e projetos agregadores.
E essa incapacidade de recrutamento ficou gravosamente espelhada nas várias mini-remodelações a que foi forçado em virtude dos casos e casinhos que se sucederam neste Executivo.
Ao longo do último ano, foi manifesto o cada vez maior fechamento de António Costa sobre si próprio e no aparelho do PS. Sem ganho para ninguém. Nem para o próprio primeiro-ministro, nem para o Governo, nem para o PS e muito menos para o país.
O mal estava criado de raiz – ao chamar para o Executivo todos os seus putativos sucessores e todas as tendências no partido, sem tomar uma opção clara nem estabelecer compromissos com ninguém, ficou mais isolado no interior do seu próprio partido –, mas atingiu expoente máximo com a promoção a ministros de aparelho-dependentes como João Galamba e Marina Gonçalves.
Sem aliados externos nem internos, sem dar ouvidos a ninguém e sem ter projeto e rumo para o Governo e para o país, o resultado só podia ser desastroso. Como está a ser.
Daí que não seja nada de estranhar ver pesos pesados do PS – como Carlos César, Vieira da Silva, António Campos, Sérgio Sousa Pinto ou Francisco Assis – assumirem publicamente as suas críticas ao curso do Governo liderado por António Costa.
Eles sabem que, se Costa não atalhar caminho, quem vai pagar a fatura é o PS.
Sobretudo se Costa tiver e aproveitar a oportunidade de uma escapatória para Bruxelas.
E, neste caso vergonhoso do Ministério das Infraestruturas, em que o irregular funcionamento das instituições é manifesto (o próprio primeiro-ministro considerou-o «deplorável» e «inaceitável»), António Costa perdeu, porventura, a sua última oportunidade para reinventar o Governo e recuperar estabilidade para a sua maioria absoluta.
Podia ter feito um ‘refrescamento’ com a remodelação alargada do Executivo – como defendeu abertamente Carlos César – e acabado com as trapalhadas e faltas de maturidade – como diz Vieira da Silva – que constantemente põem em causa o regular funcionamento das instituições. Mas não o fez.
Preferiu dar uma mão (a esquerda) a um ministro de má fama no PS, para assentar a outra (a direita) na cara de Marcelo, que, desta vez, não lhe dará mais a outra face.
Para o Presidente, valeu bem a pena o castigo, para recuperar o protagonismo que parecia estar irremediavelmente perdido com a maioria absoluta do PS.
Se a maioria socialista apoucava o papel presidencial, resumindo-o à condição de amparo e refém do Governo, esta manobra precipitada de Costa reabilita-o por completo e quem fica irremediavelmente a prazo e à mercê da decisão do Presidente num próximo passo em falso do Governo é o PM e o PS.
É como se Costa, ao rasgar a carta de Galamba, tivesse deixado em cima da mesa de Belém a sua própria carta de demissão, faltando apenas a assinatura de Marcelo a dar-lhe despacho na data que melhor entender.
Marcelo vai fazê-lo quando a fragilidade do PS – e de António Costa – já não oferecer a mínima dúvida de que este ciclo acabou e a hora é de virar a página.
Se virar, ainda acaba por sair de Belém reconciliado com o seu eleitorado.
PS: Se João Galamba já não tinha condições para continuar ministro, depois da mensagem ao país do PR devia ter vergonha e demitir-se irrevogavelmente.