Depois de tantos anos, confesso que António Costa nos continua a surpreender a todos e, isso, é indiscutivelmente um mérito que, obrigatoriamente, tem de lhe ser creditado. Gozava ele um (merecido) descanso quando em Portugal rebenta mais um escandalozinho, desta vez no Ministério das Infraestruturas, com cenas de ‘faca e alguidar’, conforme detalhadamente o ministro Galamba fez questão de contar numa conferência de imprensa.
Entretanto, o Presidente Marcelo referindo que aguardaria pela chegada de Costa para com ele falar em primeiríssima mão, sempre foi adiantando que entendia ser muito grave o caso, rapidamente secundado por Carlos César, presidente do PS, o qual se adiantou na ausência de Costa a dizer que esperava (desejava) uma remodelação governamental. Que fez Costa quando regressou às lides? Ouviu o Presidente Marcelo, reuniu com Galamba, deixou que este tornasse público o seu pedido de demissão e… veio falar ao país a dizer que não aceitou o mesmo!
No fundo, o mesmo Costa de sempre. Altamente renitente a deixar cair ministros, a não ser quando entende ser o momento, aproveitou a oportunidade para ‘de uma cajadada, matar dois coelhos (Marcelo e César)’, explicando a todos que quem manda no Governo é ele, quem nomeia ou demite ministros é ele, de acordo com as avaliações que faz em cada momento, demonstrando a sua firme vontade de ‘quero, posse e mando’.
Os comentadores que ouvi ‘online’ estavam embasbacados, entre eles o seu irmão Ricardo Costa na SIC, todos eles rapidamente a interpretar a posição do primeiro-ministro como ‘de confronto aberto’ com o Presidente Marcelo, na minha opinião com inteira razão, como se pôde inferir na nota da Presidência, publicada ainda estava Costa a falar. A partir daqui, começaram as conjeturas do que faria a seguir o Presidente Marcelo, se iria dissolver o Parlamento, se demitiria o primeiro-ministro ou se ficaria quieto a assistir (neste caso, demonstrando para todos os comentadores a sua tibieza ou falta de coragem perante Costa que o tinha confrontado de forma bem direta).
Na minha opinião, o Presidente Marcelo já tinha tudo dito ao publicar o comunicado a que acima aludo, não se esquecendo de vincar que o episódio que decorreu no Ministério das Infraestruturas tinha sido classificado por Costa como «deplorável» e que, mesmo assim, Costa não salvaguardava o prestígio e o interesse das instituições. Ao labéu de ‘comentador’ com que Costa o tinha indiretamente mimoseado, respondia Marcelo a referir que Costa não defendia o prestígio do Estado e das instituições que o representam, só faltando uma coisa que, no meu entender, poderia/deveria ter incluído: que iria convocar o Conselho de Estado.
É óbvio que, para mim, o Presidente Marcelo nada mais iria dizer ou fazer por enquanto e limitar-se-ia a esperar os desenvolvimentos que se perspetivam, nomeadamente as audiências que se seguem na Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP, sobretudo quer a Galamba quer ao por este demitido Frederico Pinheiro (que acusou o ministro de mentir à CPI), já para não falar sobre a mais que controversa intervenção do SIS, por muito legal que fosse. Vêm aí tempos ainda mais complicados para o Governo e os humoristas não perderam tempo a aconselhar a ‘compra de pipocas’ para assistir aos futuros embates na CPI, como se de um (mau) filme se tratasse.
Se pensarmos bem sobre todos estes (tristes) episódios, não nos deveríamos surpreender com a posição de António Costa que ao agir assim, pensou que era o único caminho que lhe poderia dar vantagens, libertando-se de Marcelo ao assumir um confronto direto e terminando com as políticas palacianas e seus jogos florais, metendo simultaneamente em sentido o ‘seu’ PS, com um Carlos César demasiado atrevido para seu gosto e a pensar pela sua cabeça, coisa impensável para o Costa (secretário-geral) a exigir uma acefalia ou submissão total aos seus militantes. Extremamente frio, Costa ainda terá considerado que se, por inesperado, o Presidente Marcelo reagisse e dissolvesse o Parlamento ou o demitisse, esta altura nem era nada má, porque, com uma nova ‘geringonça’, ainda poderia continuar no poder. Por fim, certamente também nada despiciendo no seu raciocínio, qualquer dissolução do Parlamento acabaria no imediato com a CPI da TAP que só lhe tem causado dissabores.
Ou seja, qualquer que seja o prisma por onde o primeiro-ministro olhou para este ‘caso Galamba’, a conclusão para ele era óbvia: só teria a ganhar com a insistência na manutenção imediata do seu ministro das Infraestruturas. No entanto, nestes seus raciocínios, creio que Costa terá subvalorizado claramente duas realidades: (i) a (nula) capacidade de encaixe do Presidente Marcelo para desaforos como este, sobretudo quando este (triste) episódio de Galamba, qualificado como deplorável, não teve a única consequência que a esmagadora maioria da opinião pública exigia e que consistia na demissão do ministro; e (ii) a sua própria contribuição para a afirmação de Montenegro como alternativa, pelo benefício indiscutível de episódios como este para o catapultar perante a opinião pública.
Em suma, depois de vermos o Presidente Marcelo a passear-se tranquilamente e a comer gelados ‘Rosa’ e de ouvirmos Vieira da Silva a referir que «falta maturidade à governação», será que somos levados a pensar que Costa fez o seu hara-kiri político? Comprem pipocas, porque este filme, qual ‘thriller’, ainda vai ter muitos episódios pela frente.