por Luís Filipe Pereira
Economista, gestor
A razão mais invocada pela área socialista, explícita ou implicitamente, para que o Presidente da República (PR) não proceda à dissolução da Assembleia da República (AR) face às revelações trazidas a público pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o ‘caso TAP’, tem sido a de assegurar a estabilidade politica.
É bom lembrar que, já nos dias que antecederam a realização das eleições legislativas de há cerca de um ano, o ‘mantra’ escolhido e inúmeras vezes repetido pelo primeiro-ministro, para se manter no poder, foi precisamente o da estabilidade politica.
Ora constatamos, hoje, que a maioria absoluta alcançada pelo PS, não impediu a instabilidade politica que atualmente se vive no país, e que é causada por essa própria maioria, o que leva o próprio PR a considerar publicamente a dissolução da AR.
A estabilidade politica não é um fim, em si mesmo, mas um meio poderoso para atingir o objetivo de uma boa governação no sentido da obtenção de melhores condições de vida e de bem estar da população em especial das camadas mais desprotegidas e vulneráveis.
É certo que sem estabilidade política o avanço económico e social é difícil de alcançar mas o inverso não é verdadeiro, ou seja, pode existir estabilidade politica, no sentido de um Governo dispor de maioria absoluta e esta situação não ser sinónimo de progresso económico e social.
De facto, para fundamentar esta afirmação, basta lembrar que existem países em que o controlo político de um partido permite uma grande longevidade do poder político, como por exemplo Cuba e Coreia do Norte, mas que são sociedades totalitárias com supressão de direitos fundamentais e com economias de penúria e de situações de miséria das populações.
Desde 2015 que o Governo socialista beneficiou de uma situação em que dispôs de maioria politica: de inicio com a solução governativa apoiada nos partidos de extrema-esquerda (a ‘geringonça’) e mais recentemente com a maioria absoluta saída das últimas eleições legislativas.
Esta situação não pode ser confundida com estabilidade politica: de facto a ‘geringonça’ desembocou em eleições gerais antecipadas e a atual maioria produziu uma tal situação de instabilidade que se vê confrontada, pelo próprio PR, com a hipótese de dissolução da AR e demissão do Governo.
Podemos até considerar que o ‘pacto social’ estabelecido entre o PS e o eleitorado, no sentido deste dar uma maioria absoluta para que, em troca, o PS assegure a estabilidade politica para governar bem o país, está a ser defraudado pelo Governo socialista.
A estabilidade política, no sentido da permanência do PS no poder nos últimos 7 anos, também não conduziu a melhores condições de vida para a população.
Desde 2015, a permanência no poder do PS, não impediu que o país tenha vindo a ser ultrapassado, em termos de riqueza gerada, por países do Leste Europeu que estavam numa situação muito pior em termos económicos e sociais.
Desde aquele ano de 2015 o PIB per capita de Portugal desceu de 78% da média da União Europeia para 74% em 2021, (dados do Eurostat) ou seja os portugueses, face à média europeia, têm menor capacidade de compra do que há 7 anos.
A denominada estabilidade politica, invocada pelo primeiro-ministro, também não impediu que, hoje, em Portugal tenhamos uma situação generalizada de baixos salários (mais 50% dos trabalhadores vivem com salários inferiores a 1.000 euros mensais – fonte MTSS), de baixas pensões (78,6% dos pensionistas do regime geral de velhice e invalidez auferem pensões inferiores ao salário mínimo nacional – fonte Pordata), de elevados níveis de pobreza (2 milhões de pessoas viviam, em 2021, com 554 euros por mês e sem transferências sociais 44,3% dos portugueses seriam pobres – fonte Eurostat) e de emigração massiva (desde 2015 a emigração já atingiu cerca de 90% da emigração histórica dos anos 60 – fonte Pordata).
A decisão de dissolver a AR com a demissão do Governo, que o PR considerou publicamente, e que tem sido discutida na comunicação social, não pode ser apenas balizada pela preocupação de assegurar a estabilidade politica que, aliás, o Governo socialista não tem assegurado.
A continuação deste Governo, ou a sua demissão, tem que ser ponderada considerando, por um lado, os custos que a sua permanência acarretam para o país e, por outro lado, a dificuldade/imprevisibilidade de encontrar uma nova solução governativa que enfrente e progressivamente resolva os problemas da sociedade portuguesa.
Os custos para o país da manutenção no poder deste Governo decorrem da sua incapacidade, ao longo de 7 anos de governação, de resolver os problemas dos portugueses (na saúde, na educação, na justiça, na habitação etc.) e de dar melhores condições de vida à população, em especial às camadas mais desfavorecidas e vulneráveis.
Mas estes custos agravaram-se agora pelo conhecimento revelado, no âmbito da CPI sobre o ‘caso TAP’, de comportamentos por parte de membros do Governo completamente inaceitáveis, numa sociedade democrática, com um primeiro-ministro incapaz de os prevenir e de por eles se responsabilizar (porque decorrem de escolhas pessoais suas), e que vão desde mentiras deliberadas (como no caso do alegado desconhecimento da indemnização paga à ex-administradora da TAP quando foram os próprios membros do Governo que tutelavam o setor, que a autorizaram), até à tentativa de ‘tornear’ o escrutínio da AR (quando o Governo se envolve numa reunião, não anunciada publicamente, com o Grupo Parlamentar do PS, e com a ex-CEO da TAP para preparar as declarações desta executiva no dia seguinte à CPI na AR.
Estas situações atingem o bom funcionamento das instituições, degradam os valores da democracia, estimulam os extremismos e promovem a instabilidade política, pondo em causa precisamente a estabilidade que se diz defender, não podendo ser ignoradas, ‘normalizadas’ e sem consequências pois, se tal acontecer, é a própria imagem e a dignidade do exercício do poder político, junto da população, que está em risco.
O cálculo político do primeiro-ministro, encenando a recusa do pedido de demissão do ministro das Infraestruturas, com o intuito de condicionar a ação do PR, revela que este primeiro-ministro, para além de ter sido incapaz de resolver os problemas do país arrastando-o progressivamente para a cauda da Europa, não quer pôr cobro a esta situação de degradação do funcionamento das instituições e da democracia, provocada por membros do Governo por si escolhidos.
A superação da crise politica que o país defronta, agora, por via da realização de novas eleições, levanta a questão de esta maioria dispor ainda de cerca de três anos e meio para se submeter ao voto popular.
Em democracia, é desejável, que em condições normais, os prazos estabelecidos para a realização de eleições, sejam respeitados.
Não estamos, no entanto, a viver uma situação normal, a qual se poderá prolongar e aprofundar, dado o comportamento que o Governo teve até agora, o que leva a considerar apenas como intenções piedosas aquelas formuladas para que a atuação governativa possa ser modificada e melhorada.
A incerteza de uma nova solução política que possa sair, como alternativa, de eventuais eleições antecipadas, é seguramente um tema importante.
Contudo, em democracia, existem sempre possibilidades de encontrar soluções, sendo certo que é a atual maioria a causadora da instabilidade politica que vivemos, e pelo que se expôs, continuará a sê-lo, o que a coloca também sem condições para resolver os problemas graves do país.