“É a primeira vez que o cidadão comum é ouvido na Europa”

A LUZ conversou com dois portugueses que participaram no Painel de Cidadãos. O que tiraram desta experiência?

Nascido em Lisboa em 1951, João Ribeiro de Carvalho é arquiteto. Numa curta entrevista, partilha o seu entusiasmo pelo programa Erasmus+: «Enquanto o Erasmus era só para estudantes, o Erasmus+ é para toda a gente. E para todas as idades, até aos 100 ou 120 anos».

Alguma vez tinha imaginado que um dia ainda ia andar pelos corredores de Bruxelas?

Não.

A sua formação e experiência profissional trouxeram alguma mais-valia à discussão?

Acho que a mais-valia foi os anos que eu tenho, porque a minha formação académica passa um bocadinho ao lado disto. Claro que foi curioso verificar que nos vários painéis havia discussões em que a arquitectura tinha um papel relevante. A mobilidade para pessoas com deficiência está muito mal tratada e na minha profissão sempre tive essa preocupação.

Pelo que percebi, no final as pessoas tinham sentimentos um pouco diferentes. Considera que as reuniões foram produtivas?

Foram nove sessões extremamente trabalhosas: começávamos às nove da manhã e acabávamos às seis da tarde.

Não são demasiadas horas para depois produzir um resultado que é um texto relativamente curto?

Foram 21 recomendações, não acho nada que seja um texto curto. Há um facto para mim muito relevante: é a primeira vez que o cidadão comum é ouvido na Comissão Europeia.

Mas às vezes nos grupos não se geram discussões um tanto estéreis?

No meu grupo de trabalho, havia um cidadão que era extremamente derrotista, para ele era tudo mau, estava tudo errado. Nestas últimas sessões o discurso dele já era completamente diferente. Temos que explicar às pessoas que isto é para bem da Europa.

Conseguiram conquistá-lo?

Não sei se ele foi conquistado, mas sei que quando acabou a primeira sessão disse que não estava ali a fazer nada, que era uma perda de tempo e que nunca mais lá punha os pés. O que é facto é que na segunda sessão já inverteu o seu discurso. E nesta última, independentemente de muitas vezes ter atitudes com menos consenso, a postura dele era completamente diferente.

Quando as pessoas não estão todas a remar para o mesmo lado, as energias anulam-se umas às outras…

No nosso grupo isso não aconteceu. Trabalhámos muito bem, claro que há pessoas que têm mais à-vontade que outras. Uma das situações positivas é que havia ali pessoas de todo o tipo de habilitações. Havia um rapaz que trabalhava num armazém dos correios, outro era jornalista, outra era professora, outro era universitário, outro era chefe de cozinha. Depois havia talvez três pessoas que já estavam reformadas… São pessoas com formações muito díspares.

E certamente com experiências diferentes.

E com experiências de vida muito diferentes. Porque é que é tão importante que as pessoas tenham conhecimento do Erasmus+? Enquanto o Erasmus era só para estudantes, o Erasmus+ é para toda a gente. Se você quiser ir fazer um curso de jardinagem para a Holanda, pode ir. Se você quiser ir aprender pintura para a Bélgica ou fazer uma especialização de educadora de infância para os países nórdicos, tem essa possibilidade. Isto é abrangente. E para todas as idades, até aos 100 ou 120 anos.

Alguma vez teve oportunidade de trabalhar ou estudar no estrangeiro?

Não, e tenho muita pena. No meu tempo não havia disso – formei-me em 1977. Mas os meus filhos já utilizaram o Erasmus.

‘Havia pessoas dos 18 aos 70 e estavam todas ao mesmo nível’

Rui Oliveira Marques estranhou quando foi desafiado a ir a Bruxelas. E recorda o encanto dos participantes por estarem ‘em salas que normalmente só veem pela televisão’.

Rui Oliveira Marques, 45 anos, é natural de Braga mas reside em Lisboa. Jornalista de formação, há cerca de 20 anos fez Erasmus em Barcelona. Trabalha na revista digital Divergente e é diretor do Festival Política.

Quando foi chamado a participar neste Painel de Cidadãos?

No início do ano, talvez em fevereiro, recebi uma chamada de uma empresa de estudos de mercado. Ao início nem acreditei:ir a Bruxelas? Depois fiz algumas perguntas e percebi que era a sério. Garantiram que foi uma seleção aleatória.

Receberam alguma espécie de briefing ou instruções?

Não recebemos muita informação. O primeiro fim de semana foi mais para as pessoas perceberem a dinâmica destas sessões, porque o curioso é que tem pessoas de todas a todas as idades, das cidades, de meios rurais… E pareceu-me que o objetivo foi que toda a gente partisse exatamente do mesmo nível. Mas eu teria preferido algo mais profundo. Depois, à medida que iam avançando os trabalhos, podíamos colocar algumas questões aos peritos.

O que achou dos resultados obtidos?

Do que estive a ler das recomendações, acho que não existe exatamente nenhuma ideia muito original. Serviu sobretudo para perceber que a maior parte das pessoas não tinha a menor ideia de como funcionavam as instituições europeias. Algumas até ficaram muito entusiasmadas por estarem nestas salas que normalmente só veem pela televisão. Mas também acho que é bom para quem está aqui ouvir pessoas reais e não só burocratas.

Até que ponto sentiu que as pessoas do seu grupo se envolveram na discussão?

Este é um tema sobre o qual nunca ninguém tinha pensado e, de repente, por termos mergulhado nesta discussão, já todos tínhamos opiniões muito vincadas.

Acha que valeu a pena o tempo que passou aqui?

Sim, nunca tinha participado num fórum de discussão com pessoas tão diversas. Nem é só a questão das nacionalidades ou das línguas, mas também a questão das idades. Devia haver pessoas dos 18 até aos 70, e estavam todas ao mesmo nível. Essa para mim foi a grande aprendizagem. Principalmente ouvir as pessoas mais velhas a dizerem que também gostavam de participar num programa destes, quando geralmente se pensa que é algo só para os jovens.