O dr. António Costa conquistou o poder com uma derrota, um corte com a tradição e uma aliança à esquerda.
Não era sua a maioria absoluta, ela repousava no parlamento e trazia para a esfera da responsabilidade de um Governo a tal esquerda esquiva.
Era uma novidade, um susto.
A escolha presidencial tornava-se, portanto, um fator de equilíbrio.
Contra a opinião de muitos, de um lado e de outro, o povo escolheu o dr. Marcelo.
Cumpriu um papel essencial.
O Governo ganhava um protetor.
E não se diga que não foi preciso.
Sendo certo que o Governo era um Governo simpático, um contraditor da austeridade, na essência da sua conduta as coisas não eram bem assim.
O suporte da anterior solução governativa estava desorientado.
Não tinha liderança, não tinha ideias, carregava uma culpa sombria e pesada que afastara uma percentagem muito significativa do seu eleitorado.
A sua falta fazia nascer outra direita cultivada pelo vezo necessário à grandeza do assim considerado bem.
Mas a verdade é que convinha uma ideia de equilíbrio, dava uma certa garantia uma opção ao centro.
Foi o tempo de Marcelo.
Nos tempos que se seguiram a sua utilidade foi manifesta.
Uma e outra vez o Governo falhou. Caso claro, os incêndios.
A intervenção do Presidente, exautorando a ministra, foi a mezinha necessária.
Caiu a ministra, salvou-se o Governo.
A trapalhada de Tancos foi outro momento de ouro.
Sem a perceção da necessária saída do ministro da Defesa, a vida do primeiro-ministro teria sido mais difícil.
A dificuldade de encontrar o caminho certo na pandemia, as debilidades da Direção-Geral da Saúde e da ministra, a forma de as superar com universos alargados de discussão, análise e tomada de decisão, encontraram o braço do Presidente.
Foi ele mais um amortecedor do que um potenciador do criticismo.
Por isso mesmo as áreas ideológicas próximas do Presidente se sentiram prejudicadas e esquecidas.
Talvez o ponto mais importante tenha sido a crise do orçamento que levou à dissolução da Assembleia.
Não sei se o Governo haveria de ter uma vitória tão significativa com outra intervenção de Marcelo.
Adivinhou o primeiro-ministro a essencialidade do apoio velado à candidatura presidencial ao segundo mandato.
Um e outro passaram a desempenhar as imagens do sr. Contente e do Sr. Feliz.
Não tanto a partir de certa altura.
Tornou-se mais evidente a dificuldade do Governo em enfrentar e decidir grandes problemas nacionais.
O mais exemplar de todos foi o do aeroporto.
A traição de um ministro tornou o assunto mais fácil.
Não, não foi o Presidente o responsável, foi a confusão dentro do Governo.
Tanto e tão clara que não demorou muito tempo a levar à sua demissão irrecusável depois de um comportamento chocante.
Também não fora o Presidente o responsável pela demissão, aceite sem dúvida, da ministra da Saúde. Foi a insustentável situação do setor.
Também não foi o Presidente o responsável por outras demissões que a violação da justiça ou as dúvidas sobre ela aconteceram.
Não se amofinou o primeiro-ministro entretanto.
Aconteceu agora.
Sendo certo que o sucedido é uma vergonha, indefensável e absurdo, e que o Presidente mais não disse que quase toda a gente, o dr. Costa descobriu que tem consciência, deveres de solidariedade pessoal e que tudo junto se opõe à dignidade do Estado.
Portanto, corta com o Presidente, emancipa-se, quer-se orgulhosamente só.
Nunca tal coisa acabou bem.